Favorito nas eleições para presidente da República segundo os principais institutos de pesquisa do país, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viveu um dia de Vanderlei Cordeiro de Lima na última quinta-feira mo debate da tevê Globo. Há 18 anos, o atleta liderava a maratona no último dia dos Jogos Olímpicos de Atenas-2004 quando foi surpreendido, a 7km do fim do percurso, por um padre irlandês. Cornelius "Neil" Horan invadiu a pista, segurou o brasileiro e comprometeu o sonho do pódio. O paranaense de Cruzeiro do Oeste tentou manter a ponta, mas foi deixado para trás pelo italiano Stefano Baldini e pelo estadunidense Mebrahtom Keflezighi. Cruzou a linha de chegada em terceiro lugar e ganhou duas medalhas: a de bronze e a restrita Barão de Coubertin.
Líder na maratona do voto, Lula não teve espírito esportivo para lidar com quem ousou atrapalhar sua corrida. Como se diz no futebolês ao qual ele tanto tanto recorre nos discursos, o padre Kelmon (PTB) catimbou, tirou o experiente candidato do sério no campo das ideias e conseguiu, no mínimo, criar suspense: a eleição será mesmo decidida amanhã, no primeiro turno, ou iremos para a prorrogação, em 30 de outubro?
Sigo minha tabelinha entre futebol e eleições recordando uma final de Copa do Mundo. Considerado uma espécie de Zinedine Zidane da política, Lula deveria ter usado a frieza de quem concorre ao Planalto pela sexta vez para controlar os nervos, manter a cabeça fria, ignorar "Marco Matterazzi" e tentar resolver o jogo com bola rolando. Só que não. O petista "Zidanou". Deu "cabeçada" no padre Kelmon e alimentou possível segundo turno com Bolsonaro.
Na decisão da Copa de 2006, o árbitro argentino Horácio Elizondo expulsou Zidane. Materazzi ficou em campo se fingindo de santo. Não era. O zagueiro ofendeu o francês. Xingou a irmã e a mãe do jogador eleito três vezes melhor do mundo. O mediador William Bonner deixou o debate correr. Deu de ombros para o VAR. Manteve Lula e Kelmon em campo até o apito final.
Escalado estrategicamente pelo candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) e pelo fiel escudeiro Roberto Jefferson (PTB) para bagunçar o debate, o padre Kelmon lembra Roberto dos Passos Pereira — o Ladrilheiro — personagem-chave da final do Campeonato Carioca de 1981. Favorito ao título, o Flamengo vencia o Vasco por 2 x 1, mas passou a tomar pressão. Eis que o fanático rubro-negro entra em cena a sete minutos do fim, tumultua o Clássico dos Milhões, esfria o jogo, confirma a conquista do time do coração e vira mais do que folclore, um herói. O mesmo script ensaiado por Bolsonaro e Jefferson para Kelmon.
Marcada pela discussão sobre a influência de pastores e do voto evangélico no apoio a Jair Bolsonaro, a campanha deu uma guinada. Chega ao fim debatendo se Kelmon, o homem que pode forçar o segundo turno, é padre ou fake. As demandas do povo ficaram para depois no país que prefere a treta ao debate civilizado.