André Gustavo Stumpf - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
Às 18h45m de ontem, com cerca de 68% das urnas apuradas, o ex-presidente Lula passou à frente de seu adversário na contagem de votos e passou a abrir uma discreta e apertadíssima vantagem. Foi nesse exato momento que o Brasil começou a mudar. A questão em aberto, após a apuração emocionante da eleição de 2022, é o que vai acontecer na política nacional a partir de hoje. Os derrotados vão lamber suas feridas, chorar a oportunidade perdida e estudar melhor onde ocorreram problemas inesperados ao longo da campanha eleitoral.
A melhor expectativa é que os derrotados chorem, gritem, mas aceitem o resultado. O exemplo que vem de Washington não é edificante. Lá o derrotado moveu céus e terras para evitar o pronunciamento oficial pelo Congresso declarando a vitória de Joe Biden. Trump tentou até o último momento virar o jogo, mesmo depois de todos os recursos judiciais terem se esgotado. A diferença da votação entre Lula e Bolsonaro foi mínima. Este resultado aponta para uma série de mudanças dentro da sociedade. Os dois grupos têm muito a aprender com o resultado. Aos militares, que foram tão incensados nos últimos tempos, resta observar e bater continência ao novo presidente.
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Afirmar que a sociedade está dividida é declarar o óbvio. O Brasil da região centro-sul, se for analisado separadamente, constitui uma economia assemelhada a de um país europeu, com renda elevada, e indústria forte. Melhor do que a Itália que não consegue manter um governo estável por dois anos seguidos e ostenta uma dívida interna no valor de 150% do seu produto interno bruto. O centro-oeste é um fenômeno novo no Brasil. É o território do agronegócio, da vastíssima produção de grãos, que abastece os principais mercados do mundo. O principal cliente da produção agrícola nacional é a China, o principal parceiro comercial do Brasil.
A corrente de negócios com a China é bem maior do que a que o Brasil mantém com os Estados Unidos. E gera superavit para o lado brasileiro há muito tempo. O fato é que lá existem regiões diferenciadas dentro do país. Mas a grande mudança foi a ascensão do agronegócio, que domina todo o Centro-Oeste e se expande pelo Brasil. As plantações de soja estão perto de alcançar o Oceano Atlântico, após atravessar o estado do Piauí, dominar o oeste da Bahia, o norte do Tocantins e boa parte de Mato Grosso. Essa novíssima centro-direita brasileira é conectada com os principais mercados do planeta. É um fenômeno globalizado. Mas não aposta em governos ditatoriais.
O presidente Jair Bolsonaro não percebeu os novos ventos. Ele representa o que há de mais retrógrado na política nacional. Ameaçar a jovem democracia brasileira não rende votos. Proporciona mágoas e rouba votos. Realizar uma administração de quatro anos sem dar nenhum tipo de atenção aos mais pobres, para satisfazer economistas formados na escola de Chicago e experimentados na ditadura de Pinochet não deu certo. Os tempos mudaram. Na realidade, além de formidável esforço de Lula, Bolsonaro derrotou Bolsonaro. A democracia venceu.
Na véspera do segundo turno, o candidato Bolsonaro distribuiu longa nota com 22 pontos positivos de sua campanha. A maioria deles desmentia o que ele fez nos últimos quatro anos. Já não havia mais tempo para construir o perfil moderado de um chefe de governo que não mostrou respeito pelo povo durante a pandemia. E utilizou de todos os recursos do governo federal para vencer a eleição. Quase conseguiu. Perdeu. Ele não deixa sucessores. Seus colegas no Congresso ou nos governos estaduais pertencem a outra geração. Um novo país vai aparecer.
Lula chega aos 77 anos como um fenômeno da política nacional. Ele foi eleito e reeleito. Indicou sua sucessora Dilma Rousseff, que governou por um período e sofreu o impeachment no período subsequente. Foi nesse desastre que se abriu a chance para a ascensão de uma direita feroz que, a partir de agora, inicia sua viagem para se perder nos confins do universo. Lula chega pela terceira vez à Presidência da República com muita força. Os cabelos ficaram brancos, mas a experiência poderá, junto com seus novos aliados, retomar o desenvolvimento econômico, reduzir a pobreza, reindustrializar o país e encontrar meios e modos de pacificar o país. O pessoal da milícia, da rachadinha, dos palavrões voltou para sua desimportância. Importante agora é reconstruir as relações internacionais. Pária, nunca mais.
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