violência política

Artigo: A arte mantém vivo Mestre Môa do Katendê

Correio Braziliense
postado em 22/10/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

Vinícius Nascimento - Jornalista de Salvador, repórter de cultura, moda e esportes no Correio da Bahia e de política no BNews

O 8 de outubro de 2018 é marcado como uma das datas mais sangrentas da história do Brasil. Há quatro anos, o Mestre Môa do Katendê era assassinado por um apoiador do então candidato e futuro presidente Jair Bolsonaro por motivação política. O caso aconteceu no Dique Pequeno, onde Môa morava, na periferia de Salvador.

Criador do Afoxé Badauê, que virou verso de Caetano em Beleza Pura, Mestre Môa foi um dos maiores agitadores culturais do povo preto na Bahia. No Engenho Velho de Brotas, foi responsável por inspirar gerações de artistas como Márcia Short, que encantou o Brasil à frente da Banda Mel e, desde a infância, acompanhava o trabalho do Mestre, que foi seu formador cultural.

Neste mês de outubro, na eleição geral seguinte àquela que tirou a vida de Môa, dois discos e dois projetos audiovisuais serão lançados em sua memória. Môa do Katendê era, acima de tudo, um sonhador. E é obrigação do povo preto em todo o país manter seus sonhos vivos e realizá-los. Só assim sua memória será preservada.

No último dia 6, foi publicado o álbum Raiz Afro Mãe, projeto iniciado pelo próprio Môa em 2017, quando ele sonhava em convidar diversos artistas para cantar duas músicas e, assim, chegar ao público jovem a quem ele entregava tanta devoção.

Nas 16 músicas, sua voz continua a ecoar agora nas vozes de artistas como Emicida, Criolo, Chico César, Fabiana Cozza, Kimani, Rincon Sapiência, Edgar, BNegão, GOG, Jasse Mahi (filha de Môa) e os baianos, Letieres Leite, Márcia Short, Lazzo Matumbi, Mateus Aleluia Filho, o grupo BaianaSystem e Luedji Luna.

Além do álbum, Mestre Môa também será o foco do filme Môa, Raiz Afro Mãe (Kana Filmes), documentário musical de 101 minutos, que terá lançamento para convidados em São Paulo em 18 de outubro e entrará no circuito comercial em 2023. O filme é dirigido por Gustavo McNair, diretor, roteirista e fundador da produtora Kana Filmes.

Rodado entre Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, o filme acompanha a história de Môa da década de 1970 até sua morte, mostrando seu trabalho como arte-educador e capoeirista, e seu legado na cultura afrobrasileira e mundial.

O outro projeto começou a andar sete anos antes de sua morte. Moa fez o registro sonoro de suas músicas no estúdio do amigo e produtor musical Átila Santana, que, agora, assumiu a frente do projeto de lançamento do álbum Môa Vive!, nesta sexta-feira (21/10)

O primeiro single do disco, Presente de Oxum, é interpretado pelo cantor Gerônimo, a quem Môa conheceu em 1982 — uma das primeiras amizades de Gerônimo ao retornar para Salvador após uma temporada no Rio de Janeiro. O disco nasceu de gravações intimistas entre Môa e amigos. Hoje, a produção das faixas ganha novas roupagens nas vozes de artistas da Bahia que se afiliam profundamente à obra do homenageado: Margareth Menezes, Russo Passapusso, Roberto Mendes, o supracitado Gerônimo, Aloísio Menezes e a talentosíssima Sued Nunes, cantora do Recôncavo de voz forte, sonhadora, libertadora — como o legado de Moa. Nomes como Mateus Aleluia Filho, Márcia Short, Russo Passapusso e Roberto Mendes aparecem também nessa coletânea. O disco conta com nove canções — sete regravadas e duas das gravações originais, com a voz do próprio Môa.

Na instrumentação, estão músicos talentosos como Mestre Jorjão Bafafé, Gabi Guedes, Felipe Guedes, Roberto Mendes, Ivan Sacerdote, Mateus Aleluia Filho, Marcos Santos, Vinicius Freitas, Zanah Santos, Sebastian Notini, Matias Traut, Juliano Oliveira e o próprio Átila Santana, que assina a produção musical.

Esse trabalho virá acompanhado de um minidocumentário de 20 minutos, com depoimentos de familiares e artistas nos bastidores da produção do disco. O objetivo é aproximar gerações através da música de matriz africana, valorizando obras que marcaram o repertório de Môa no ijexá, unindo-se com afrobeats, samba de roda, funk e samba duro.

Consumir, compartilhar e sentir esses projetos é quase uma obrigação do povo preto e de todo o campo progressista. Toda essa mobilização de artistas de dentro e fora da Bahia mostra a melhor versão do trabalho de Môa do Katendê, que criava, unia, agregava, inspirava. Poderia passar o dia enumerando ações desse homem que, por mais que tivesse vício em realizar, se alimentava de sonhos. E é por meio dos sonhos que ele vai se manter vivo.

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