Os racistas no Brasil perderam o pudor, não se escondem das câmeras e são cruéis. O cantor, compositor, multi-instrumentista e ator Jorge Mário da Silva, o Seu Jorge, foi vítima de violência durante um show, na sexta-feira última, no Grêmio Náutico União, tradicional clube de Porto Alegre. Momentos antes do encerramento do espetáculo, o artista deixou o palco, sob aplausos, vaias e gritos de "macaco". Em São Paulo, o humorista e influencer Eddy Jr. é alvo da ira de uma vizinha e de seu filho que não querem que ele more no local. A pele preta do Seu Jorge e do Eddy Jr. é a motivação do ódio destilado pelos racistas no Brasil, onde a miscigenação é o padrão do tecido demográfico. Os dois casos estão sendo apurados pela polícia dos respectivos estados.
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Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), por oito votos a um, reconheceu que o crime de injúria racial pode ser equiparado ao de racismo, imprescritível e passível de punição a qualquer tempo. As agressões aos negros, desde sempre, não foram para injuriar — ato de ofender a honra de alguém —, mas depreciar a sua origem étnica. Os não negros — há exceções — comparam pretos e pardos aos primatas. As cenas vergonhosas, protagonizadas por pessoas vis, estão no cotidiano dos negros e ganham maior visibilidade quando os gestuais são flagrados pelas câmeras nos campos de futebol.
A Lei nº 7.716, também conhecida como Lei Caó, em homenagem ao deputado, advogado e jornalista Carlos Alberto Oliveira dos Santos, autor da proposição, foi aprovada em 5 de janeiro de 1989. Ela tipifica e prevê sanções penais para os crimes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Mas, desde a sua vigência, menos de 300 racistas foram condenados pela Justiça. A impunidade dos agressores acaba sendo estímulo aos que se imaginam superiores simplesmente pela cor da pele.
A não aplicação da lei, com o rigor que ela impõe, ante os crimes de racismo, afronta o mandamento constitucional. Segundo o artigo 5º da Constituição Cidadã, "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade..."
Enquanto prevalecer a impunidade, as cenas e agressões protagonizadas pelos racistas serão recorrentes. Eles se sentem fortalecidos, diante da impunidade, para perpetuar os resquícios do período escravagista, que coisificou os negros sequestrados em África para serem explorados no solo brasileiro — ofender um objeto não é crime. Assim, os infratores têm certeza de que discriminar um negro não resultará em punição — e, na maioria das vezes, têm razão, pois parece inimaginável ver um racista atrás das grades de uma cadeia.
A organicidade do Estado brasileiro está impregnado pelo racismo estrutural. Isso está refletido na ausência de políticas públicas de combate às muitas faces da infração penal. Em sua maioria, as iniciativas são falhas e ineficazes para conter o avanço das agressões contra o povo negro. O Legislativo, por sua vez, não manifesta preocupação no sentido de aperfeiçoar a legislação vigente nem formular projetos que resultem em redução, ou eliminação, das desigualdades. Muitos dos eleitos, pelo contrário, chegam a fazer apologia para demarcar diferenças entre brancos e negros, estabelecendo valores de superioridade e inferioridade, inspirados nas diferentes expressões de intolerância. Impõe-se ao Judiciário aplicar com mais rigor as leis, a fim de inibir esse comportamento irracional e que causa sérios danos às vítimas do racismo, quando não estabelece barreiras intransponíveis à ascensão socioeconômica de pretos e pardos. Preconceito racial é incivilidade.
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