FERNANDO SALDANHA - Ph.D. em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT)
Outro dia assisti a um vídeo no qual Jordan Peterson (professor de psicologia na Universidade de Toronto e autor de vários livros populares) reclama que a sociedade favorece demais os jovens. Sou fã do Jordan Peterson, mas acho que ele está errado na avaliação. No Ocidente (que inclui os países avançados e a América Latina), riqueza tem sido sistematicamente transferida dos jovens, das crianças, e dos que ainda nem nasceram (sim, isso pode ser feito, como vai ficar claro abaixo) para os adultos, em particular os idosos.
A transferência de riqueza entre gerações se manifesta como excesso de consumo e insuficiência de poupança, a qual pode ser vista de duas formas. Do lado financeiro, a transferência surge como enormes deficits, tanto nas contas do governo, como na conta corrente, que se refletem em explosão do estoque da dívida pública e da dívida externa (no sentido lato, que inclui o investimento estrangeiro no país). O deficit público é a despoupança do governo e o deficit em conta corrente é a contribuição da poupança do resto do mundo.
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Nosso investimento, que é pífio, está sendo financiado pelas gerações futuras e por investidores estrangeiros, que no futuro vão receber juros, dividendos e outros fluxos de caixa provenientes do Brasil. De um jeito ou do outro, as gerações futuras vão ter que pagar a conta. A dimensão financeira é a parte mais visível da transferência intergeracional de riqueza, mas mesmo boa parte da população "educada" tem pouca consciência da magnitude do problema.
Do lado real, que é o que realmente importa, a transferência de riqueza entre gerações se manifesta de várias maneiras. Algumas das principais são: a) insuficiente investimento em infraestrutura, b) preferência dos estudantes por disciplinas menos exigentes em detrimento das ciências, c) ensino público de má qualidade, com favorecimento de professores relapsos e incompetentes e gasto de tempo precioso com doutrinação ideológica, d) deterioração acelerada do meio ambiente, e) no esforço para preservar o meio ambiente com prioridade para causas politicamente corretas, como o aquecimento global, em detrimento de problemas mais sérios como a extinção de espécies (incluindo insetos) e a escassez de água, f) indulgência em comportamento destrutivo, como protestos violentos.
Vale observar que as duas últimas constituem uma forma peculiar de consumo: bens consumidos são a chamada sinalização de virtude e, paradoxalmente, o sentimento de ser uma pessoa "boa". É óbvio o que está por trás dessa imensa transferência de riqueza entre gerações: crianças, obviamente incluindo as não nascidas, não votam. É uma decisão correta impedi-las de votar. A ciência diz que o cérebro humano não completa sua formação antes dos 18 anos. Mas como toda política pública, ela tem consequências inesperadas, e uma delas é a transferência de riqueza dos mais jovens para os mais velhos. Não é por acaso que só existe um assunto sobre o qual os atuais extremos do espectro político brasileiro concordam: a violação do teto de gastos.
Justifica-se a ocorrências das transferências intergeracionais com base na premissa que gerações futuras vão ser mais ricas do que a geração presente. No entanto, o PIB per capita brasileiro se encontra praticamente estagnado, tendo crescido apenas cerca de 30% desde 1980. O Brasil nem sequer conseguiu refletir os enormes avanços tecnológicos obtidos no período. E mesmo esse desempenho medíocre do PIB só foi obtido com considerável deterioração do meio ambiente. Para comparar, a renda per capita da China cresceu 4.000% no período. Temos razão para acreditar que as próximas décadas serão melhores? Durante parte desse período o Brasil se beneficiou do bônus demográfico: relativamente poucas crianças e poucos idosos. Cada trabalhador tinha que sustentar pouca gente. Na ausência do bônus demográfico e com menos espaço para expandir a fronteira agrícola, as perspectivas para a economia brasileira não são boas. É perfeitamente possível que a renda per capita brasileira seja menor daqui a 30 anos do que é hoje. A transferência de renda dos jovens para os adultos que persiste há décadas é injustificável.
Muitas políticas que redistribuem riqueza dos jovens para os mais velhos são apresentadas ao público como progressistas e "redistribuição de renda". A oposição à Reforma da Previdência e à impossibilidade de demitir professores incompetentes ou relapsos e de premiar os mais produtivos são exemplos particularmente claros: idosos ou professores relapsos ou incompetentes são os beneficiários, as crianças e os jovens são os perdedores, seja por arcarem com mais impostos no futuro ou por receberem educação de baixa qualidade. De fato existe redistribuição de renda (ou melhor, de riqueza), mas na direção errada. Se é verdade que alguns idosos precisam de mais apoio, a grande maioria dos aposentados é desproporcionalmente beneficiada, não tanto pela magnitude de sua renda, mas pelo período demasiado longo em que a recebem por se aposentar muito cedo. Sem falar dos quese aposentam sem jamais contribuir um centavo.
Conclusão: a transferência de renda dos jovens para os adultos que persiste há décadas é injustificável, mas deve persistir por longo tempo, com consequências muito negativas para as gerações futuras.
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