ANDRÉ AMADO - Diplomata e escritor
Assumiu a cadeira 35 da Academia Brasileira de Letras (ABL) o escritor e professor Godofredo Oliveira Neto. Decerto terá influído em sua eleição a bela trajetória acadêmica em universidades em Paris II e III, em Georgetown University, em Washington, na Universidade Federal do Rio de Janeiro e em algumas outras instituições de reconhecido prestígio, onde se formou, concluiu o mestrado, o doutorado e o pós-doutorado em letras. Godofredo acrescenta, ainda, a qualidade de uma produção literária que o consagra como escritor. Posso cometer alguma injustiça quanto a seus múltiplos outros títulos ao concentrar-me em Amores exilados (Record, 1997).
É que me fascinou a linguagem serena e parcimoniosa em adjetivos para relatar o pesadelo do exílio de jovens militantes políticos, forçados a deixar o país em fuga da perseguição desapiedada dos algozes do regime militar. Godofredo define o universo dos exilados como "solidão em alguns; a estranha alegria em outros, a angústia da maioria", mas não solta grito algum de indignação e tampouco ofensa ferina aos responsáveis por aquela situação. Que o leitor — e não o autor — use os impropérios que preferir.
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Godofredo opta por apresentar a experiência vivida no exílio pela objetividade dos obstáculos a transpor. Por intermédio da convivência de personagens como Fábio, Baiano, Lázaro e Muriel, a vários títulos atraentes, Amores exilados retoma o percurso das atividades tidas pelo regime militar como subversivas no Brasil, sob a égide da Aliança Socialista Libertadora, e as prolonga em Paris. As dificuldades se multiplicam. Por exemplo: como conseguir o tal almejado estatuto de refugiado, para evitar a deportação de residente ilegal? E nota mais pitoresca: como se conformar em manter contato com o Brasil pelo telefone público em Denfer-Rochereau, que funcionava sem ficha, direto, de graça, é verdade, mas ao preço de ter todas as conversas gravadas pelos serviços de informação da França?
Pouco a pouco, a vida no exílio alimenta reflexões que abrem caminho para a revisão de algumas certezas políticas. Lázaro, por exemplo, reavalia a luta armada e a tomada pura e simples do poder pelos operários e camponeses como um erro de adolescência ou de equívoco mesmo. Baiano, por sua vez, cruza fronteiras mais sensíveis. Considera que "os horrores do stalinismo contribuíram para afastar o povo da luta por uma sociedade mais igualitária". Segundo ele, "a esquerda deu à direita, de bandeja, argumentos para críticas" e torce para que "esse mesmo povo, incluída a classe média, volte a reconstruir uma sociedade socialista e democrática".
Há certa melancolia no texto de Godofredo, talvez mesmo uma expectativa velada de um dia ser admitido numa confraria literária das dimensões da ABL. "A arte", defende ele, "só nasce de alguém desgarrado da manada; por isso, ela é meio sinônimo do sofrimento e ansiedade". Completa: "O criador divide a criação com ele mesmo, mas a criatura, para existir, precisa do resto do grupo". E conclui: "Daí a esquizofrenia do autor, ser social".
Amores exilados tem como protagonistas centrais, mais do que os personagens já citados, a própria história do Brasil durante o período conhecido como os anos de chumbo e sua extensão ao degredo de segmentos expressivos da inteligência nacional. Fábio e muitos de seus parceiros na aventura forçada na França desaparecem no livro. Mas a agressão orquestrada pelo autoritarismo e o arbítrio não pode ser apagada da memória do país. Obrigado, Godofredo, por seu livro.
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