ELEIÇÕES 2022

Artigo: Dicotomia entre esquerda e direita no Brasil

Correio Braziliense
postado em 11/10/2022 06:00
 (crédito:  Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

JOSÉ MATIAS-PEREIRA - Economista e advogado, é doutor em ciência política pela Universidade Complutense de Madrid (UCM-Espanha), e pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo (FEA/USP). É professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da Universidade de Brasília

As pesquisas eleitorais que antecederam as eleições presidenciais no Brasil, realizadas no dia 2 de outubro de 2022, na sua maioria não foram capazes de prever o novo fenômeno político que se alastrou de forma avassaladora pelo país, denominado bolsonarismo. O Partido Liberal, que a partir da próxima legislatura, que começa em 2023, será a principal força política do Congresso Nacional, confirma a dimensão da força política eleitoral do presidente Bolsonaro.

Além dos 99 deputados eleitos para a Câmara dos Deputados, a legenda de Bolsonaro (Partido Liberal), também elegeu 8 senadores e, com isso, ocupará 15 das 81 cadeiras no Senado Federal na próxima legislatura. Com esse desempenho, a sigla terá as maiores bancadas nas duas casas legislativas.

Os partidos que integram a base de apoio do presidente Bolsonaro elegeram um total de 235 deputados federais, assim distribuídos: Partido Liberal — PL (99), Republicanos (42), PP (47), PSD (42), Patriota (4) e PTB (1). Por sua vez, o Partido dos Trabalhadores (PT), juntamente com o PCdoB e PV (partidos que formaram a federação de esquerda), ficou em segundo lugar, com 79 cadeiras de deputados federais. Assim, a esquerda, somados o PT-PCdoB-PV (79), PSB (14), PDT (17), PSOL-Rede (14), vai reunir 124 deputados.

Tendo em vista que na disputa presidencial foram para o segundo turno o ex-presidente Lula, de esquerda e o presidente Bolsonaro, de direita, questiona-se aqui se o espectro que revela a opção dos eleitores entre esquerda e direita é um fator importante para a compreensão do voto no Brasil. Registre-se que, no âmbito da ciência política, a opinião pública é algo complexo de avaliar, conforme se constata na literatura que aborda esse tema.

Assim, temos como objetivo discutir neste artigo os fatores que explicam as dificuldades de posicionamento ideológico dos eleitores brasileiros à esquerda ou à direita, em especial, seus valores socioeconômicos, éticos, morais e religiosos.

A decisão de voto é algo hermético que envolve múltiplas causas, entre as quais se destaca, conforme evidenciado por uma vasta literatura, a ideologia. Em termos teóricos, por ser a ideologia um argumento central da sociologia eleitoral, o termo esquerda-direita é usado como conceito balizador de linguagem politica. Assim, a díade politica esquerda-direita continua presente no ambiente politico de uma grande parcela das democracias ocidentais.

A visão à direita defende o mérito e luta individual. Para os conservadores de direita é essencial a manutenção do status quo, tradição, valores religiosos, ética, moral e bons costumes e defesa da propriedade privada. Os liberais de direita, por sua vez, defendem a liberdade econômica e as liberdades individuais no âmbito dos costumes e da sexualidade. O pensamento à esquerda se estruturou sob a ideia de coletividade e de intervenção do Estado, especialmente de forma a minimizar as diferenças socioeconômicas.

No campo da economia, os que se posicionam no espectro político à esquerda defendem uma economia mais justa e solidária, com maior distribuição de renda e interferência do Estado. Para os integrantes da direita, associados ao liberalismo, ou seja, pregam a livre iniciativa de mercado e os direitos à propriedade particular.

Observa-se, assim, que, mesmo quando o eleitor se autoposiciona à esquerda ou à direita da dicotomia, não existem indícios de que ele necessariamente saiba o significado dessas expressões. Conforme evidenciado na literatura, a dificuldade do eleitor brasileiro de compreender o significado do espectro ideológico esquerda-direita decorrem de diversos fatores institucionais que estão relacionados a essa questão, como por exemplo, a fragilidade do sistema político-partidário; incoerência entre as ações e comportamentos dos parlamentares e os programas dos partidos políticos; alianças entre legendas políticas com visões ideológicas diferenciadas; entre outros.

Assim, em que pese existir indícios de uma baixa aderência no que se refere ao nivel de compreensao e de reconhecimento por parte do eleitorado, na dicotomia esquerda-direita — que se revela estar mais ligada a vínculos simbólico-afetivos — o fenômeno do bolsonarismo, conforme evidenciado nas bancadas eleitas de deputados e senadores de partidos políticos de centro e direita para o Congresso Nacional, está consolidado no Brasil.

Diante desse fato, se pode argumentar que, caso seja reeleito, o presidente Jair Bolsonaro deverá governar, a partir de janeiro de 2023, com uma sólida base parlamentar no Congresso Nacional, o que vai facilitar a aprovação de reformas estruturais, como por exemplo, a reforma tributária e a reforma administrativa, essenciais para o desenvolvimento do país.

Caso os eleitores façam opção pelo candidato de esquerda, Lula, o país estará diante de um complexo paradoxo esquerda-direita, ou seja, eleger uma bancada majoritária de parlamentares de direita e um presidente de esquerda. Vislumbra-se que ele deverá enfrentar sérias dificuldades de governança, visto que estão fincadas as bases políticas do fenômeno bolsonarismo, para contrapor-se e evitar recaídas abruptas do Brasil à esquerda.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.