Por MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES — Pesquisador da Embrapa Agroenergia
Os consumidores e os mercados dão cada vez mais atenção a produtos de base biológica, derivados de matérias-primas naturais, como a biomassa de plantas, animais e micro-organismos, que são alternativas renováveis a recursos fósseis, como petróleo, carvão e gás natural. Uma das principais razões desse interesse é que a produção e o uso sustentáveis da biomassa não aumentam a quantidade total de CO² em circulação na atmosfera, enquanto materiais fósseis, retirados das profundezas da Terra, levam à produção de vastas quantidades de gases de efeito estufa, fenômeno intimamente ligado à crise climática que afeta todo o planeta.
Tecnicamente é possível destilar da biomassa praticamente tudo o que se obtém de recursos fósseis. Produtos derivados de matérias-primas de base biológica, como biocombustíveis, bioplásticos, biopolímeros, biocompósitos, biosolventes e outros, podem substituir os derivados do petróleo proporcionando grandes vantagens, como a redução das emissões de CO² e menor toxicidade, além de reciclabilidade e biodegradabilidade. Por isso, a proliferação de biorrefinarias e a oferta de matérias-primas e produtos renováveis poderão favorecer a transição gradual do atual modelo econômico poluente para uma bioeconomia limpa e sustentável.
Como o vento e a energia do sol, a biomassa está disponível em quase todo o planeta, diferentemente dos recursos fósseis, cujas reservas estão sob controle de poucos países e confinadas nas profundezas da terra ou do mar, exigindo perfuração, processamento e refino caros, além de milhares de quilômetros de oleodutos e rotas complexas de logística e transporte. Como se tornaram monopólios de países, regiões ou empresas, recursos fósseis se tornaram instrumentos de embates comerciais e geopolíticos e seus fluxos podem sofrer rupturas por conflitos e guerras, com consequências imprevisíveis, o que ocorre agora em função da invasão da Ucrânia pela Rússia.
E a crise climática seguirá impondo metas severas de descarbonização para todas as indústrias que têm dependência extrema de recursos fósseis. À medida que avanços tecnológicos em biorrefino se tornem alternativas renováveis mais ágeis, compatíveis e flexíveis em design, avanços importantes poderão ocorrer em setores como energia, química, materiais, alimentos e outras. O aumento do investimento na conversão de recursos de biomassa em combustíveis, produtos químicos e materiais já conhecidos poderá induzir também pesquisa e investimento em matérias-primas e processos novos, ampliando indústrias e negócios de base renovável na economia.
Um exemplo de destaque vem das biorrefinarias de cana-de-açúcar, que posicionam o Brasil como o maior produtor de açúcar e segundo maior produtor de etanol no mundo. Produzidos açúcar e etanol, a vinhaça — que é um resíduo, é aproveitada como fertilizante ou fermentada para produzir biogás, enquanto do bagaço — outro resíduo, se produz ainda mais etanol e bioeletricidade, que garante autonomia energética para a biorrefinaria. De componentes da cana deriva-se também bioplásticos e matérias-primas para múltiplas indústrias, como celulose, fibras, enzimas, lipídeos, proteínas, ácidos orgânicos de qualidade alimentar etc. E muitas outras alternativas estão em estudo por grande número de grupos de pesquisa e indústrias dedicados ao biorrefino da cana.
Como há enorme heterogeneidade na produção global de biomassa, os países precisam encontrar as soluções mais adequadas para produzi-la e convertê-la utilizando rotas técnicas e econômicas realistas. Questões relacionadas à concorrência com a produção de alimentos e limitações relacionadas a desgaste do solo, escassez de água, redução da biodiversidade e uso de insumos impactantes para meio ambiente precisam ser consideradas. Ademais, as fontes mais acessíveis podem ter características problemáticas, como heterogeneidade, perecibilidade, sazonalidade da produção, dispersão da produção e baixo valor por unidade de volume ou peso.
Assim, países interessados em seguir essa rota de descarbonização das suas economias precisam vencer desafios para viabilizar biorrefinarias como empreendimentos econômica e ambientalmente viáveis. Em posição confortável está o Brasil, que se destaca pela dimensão continental, com a maior parte do seu território no cinturão tropical, que é o espaço geográfico mais habilitado a produzir biomassa com diversidade e volumes capazes de viabilizar empreendimentos de base renovável. Ademais, por ter consolidado modelos de produção agropecuária cientificamente embasados e adaptados ao seu grande território, o Brasil pode produzir biomassa em escala dificilmente igualada por outros países na faixa tropical do globo.
E enquanto muitos países só podem contar com o aproveitamento de resíduos, restos e coprodutos das atividades agrícolas, pecuárias e florestais como fontes de biomassa, o Brasil tem condições de modelar uma agricultura dedicada à produção de alimentos e biomassa, sem desmatamento e de forma sustentável. Para isso o país pode lançar mão da sua enorme biodiversidade e de imensas áreas de pastagens degradadas que podem abrigar sistemas produtivos intensificados, capazes de suprir bioindústrias habilitadas a derivar de biomassa praticamente tudo o que hoje se destila do petróleo.
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