ELEIÇÕES 2022

Artigo: Feliz 2026

Correio Braziliense
postado em 07/10/2022 06:00
 (crédito: Miguel Schincariol / AFP       )
(crédito: Miguel Schincariol / AFP )

ORLANDO THOMÉ CORDEIRO - Consultor em estratégia

O resultado do primeiro turno das eleições trouxe dois desafios. O primeiro deles é a defesa intransigente da manutenção do Estado de direito democrático, atacado das mais diversas maneiras pelo atual ocupante do Palácio do Planalto. Agressão a jornalistas, imposição de sigilo de 100 anos sobre informações que deveriam ser públicas, sucessivas tentativas de intimidar o STF são exemplos de um comportamento que revela forte desejo de impor um regime autocrático.

Esse fenômeno não é exclusivamente brasileiro. Temos exemplos na Europa, com Órban e Erdogan, na Ásia com Modri e na América Latina com Chávez. Este último, inclusive, foi elogiado publicamente pelo presidente brasileiro numa entrevista ao jornal Estado de São Paulo em 1999 na qual comparava o militar venezuelano ao ditador Castelo Branco. Aliás, a estratégia bolsonarista é bastante semelhante à do autointitulado bolivariano. Mesmo assim, há quem ache que o risco de venezuelização do Brasil estaria na vitória de Lula. Só pode ser ingenuidade, miopia ou má-fé.

Importante ressaltar que nos últimos anos o ressentimento passou a ser utilizado como demarcação de um campo político de atuação. Na sua base social está uma parcela expressiva da população que se sentiu autorizada a adotar a falta de urbanidade como regra vigente. Esse fenômeno começou a ser percebido em grupos de amigos e nas relações familiares. Pessoas que até então pareciam comungar dos mesmos valores começaram a se estranhar. Tomadas de surpresa, passaram a se questionar com comentários do tipo "eu não imaginava que ele pensasse isso".

Outra característica marcante no discurso e prática adotados é o preconceito. Afirmações como "esposa tem que se submeter ao marido" são a antessala da misoginia. Quem não se lembra daquele troglodita quebrando a placa com o nome da vereadora Marielle Franco? Ou dos comentários do deputado paulista cassado este ano por suas declarações sobre as mulheres ucranianas? E o vereador carioca recentemente cassado por seus crimes de assédio sexual?

Para essas criaturas saudosas dos valores medievais, é intolerável ligar a TV e assistir a cada vez mais mulheres atuando como âncoras de telejornais ou participando com destaque em programas de análise política. E ainda mais quando, segundo sua visão retrógrada, têm a ousadia de questionar a autoridade masculina com perguntas incômodas. Além disso, essa turma detesta a liberdade de imprensa. Afinal, para essa gente só serve o jornalismo chapa-branca.

É um caldo de cultura que ajuda a entender a eleição de muitas figuras deletérias que representam tais atitudes. A começar pelo próprio presidente, mas não somente ele. Nos parlamentos federal, estaduais e municipais essas figuras se fizeram e continuam a se fazer presentes.

Portanto, quem defende a democracia como regime político e se alinha com os valores civilizatórios precisa cerrar fileiras em torno de um único objetivo de curto prazo: derrotar, no próximo dia 30, o projeto protofascista representado por Bolsonaro. Trata-se de um movimento de resistência. Já o segundo desafio é mais complexo e precisará de muito esforço para ser superado. Refiro-me à reestruturação do centro democrático como força política relevante e competitiva na sociedade. As urnas foram impiedosas com esse segmento político. A imensa maioria dos parlamentares e governadores eleitos está alinhada a um dos dois polos que têm hegemonizado o debate político e a disputa eleitoral.

A verdade é que as diversas agremiações partidárias que representariam, no todo ou em parte, o centro progressista, apesar de sua tradição na luta pela democracia e pela redução das desigualdades, perderam peso político. Porém, entre seus filiados e dirigentes há milhares que continuam a defender os mesmos princípios e valores atualizados para a realidade do século 21. É imprescindível que seja construída uma articulação capaz de aglutinar tais agentes políticos de modo a chegar a 2026 com chances reais de disputar as eleições.

Nesse cenário tem sido um sopro de esperança acompanhar o desempenho político de Simone Tebet. Seus posicionamentos firmes e claros, marcando a diferença com os dois projetos majoritários, a credenciam como a principal liderança desse campo. Não à toa, em sua declaração de apoio a Lula no segundo turno, deixou claras as diferenças que os separam. Uma manifestação à altura de uma estadista. Tudo indica que o pesadelo em que a maioria da sociedade brasileira escolheu se meter em 2018 está próximo do fim, mas precisamos ficar atentos.

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