A mobilização parcial de 300 mil reservistas russos e a anexação das autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Luhansk e os territórios de Kherson e Zaporizhzhia sugeriam uma guinada na invasão de Vladimir Putin à Ucrânia. O tiro parece ter saído pela culatra. Resistentes a morrerem em uma guerra que consideram sem sentido, milhares de cidadãos fugiram da Rússia. No último sábado, dia seguinte ao discurso triunfante de Putin, as forças ucranianas cercaram pelo menos 5 mil soldados do Kremlin na cidade de Lyman, no Donetsk, e os expulsaram dali. Talvez tenha sido um prenúncio de tempos difíceis para o ex-espião da KGB.
Acuado cada vez mais pelo Ocidente, que reforçou as sanções econômicas contra Moscou e acelerou o envio de ajuda militar a Kiev, Putin começa a atolar em seu próprio atoleiro. Especialistas acreditam que a agressão à Ucrânia foi um erro de cálculo que coloca em xeque a reputação do chefe do Kremlin e deteriora a imagem da Rússia no cenário internacional. Cada vez mais isolada, depois que a China, principal aliada, condenou as anexações das quatro regiões ucranianas, Moscou parece ter minguado o escopo de alternativas para reverter as derrotas no front.
Ao ameaçar o uso de armas nucleares táticas na Ucrânia — um recurso extremo, condenável e contraproducente, segundo especialistas —, Putin tensiona ainda mais as relações com o Ocidente. Nos últimos 77 anos, o arsenal atômico foi utilizado somente duas vezes e com consequências funestas: centenas de milhares de mortos, em Hiroshima e em Nagasaki.
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A explosão de um artefato nuclear, ainda que com poderio destrutivo limitado, liberaria uma nuvem radioativa sobre a Ucrânia e teria um efeito psicológico devastador. Além disso, provavelmente lançaria a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) à guerra na Ucrânia, o que poderia desatar um conflito mundial. No cenário doméstico, Putin sofreria pressão interna da ala política mais moderada e precisaria lidar com manifestações pacifistas gigantescas em toda a Rússia.
Cada vez mais contra as cordas, o presidente russo enfrenta um dilema, uma escolha de Sofia cujos efeitos talvez sejam desastrosos para si mesmo. Se intensificar o conflito com a Ucrânia e sofrer mais reveses, ficará desmoralizado e de mãos atadas. Se abandonar a ex-república soviética vizinha, atestará o fracasso em sua aventura malcalculada. Se utilizar armas nucleares, selará o fim do próprio governo.
As últimas revoluções na Ucrânia deram uma amostra do grau de patriotismo e de amor do povo por sua nação. Talvez Putin tenha ignorado isso. A 19 dias de completar oito meses, a invasão à Ucrânia se apresenta — além de uma agressão ao direito internacional e à sobrania de uma nação democrática — como um erro de proporções colossais.
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