Um mundo em mudanças será um desafio a mais para o presidente do Brasil a ser eleito neste domingo (em primeiro turno) ou em 30 de outubro. A mudança de patamar no conflito na Ucrânia, com os russos anexando territórios ocupados e intensificando ataques, e a recessão econômica anunciada para os países da Europa, com o agravamento de crises na região levando à escolha de políticos de direita e extrema-direita, como ocorreu na Itália no fim de semana, e ao crescimento de movimentos nacionalistas, mostram uma configuração nova e ainda permeada de incertezas e expectativas diante da Europa, cuja unidade parece cada vez mais ameaçada.
Em um cenário, onde Estados Unidos e Europa, de um lado, e Rússia e China, de outro, disputam a hegemonia global, o Brasil deverá retomar a tradição de sua diplomacia, que sempre nos colocou como país negociador e mediador de conflitos em busca de consensos possíveis. É preciso retomar essa tradição, porque o Brasil manteve a posição de neutralidade, mas de forma passiva nos últimos anos, quando a defesa dos interesses nacionais exige posição ativa, condizente com o que o mundo espera de nós.
O esvaziamento do papel do Itamaraty deu espaço à desconexão entre o governo e a diplomacia no que tange ao posicionamento geopolítico do Brasil. Ao ponto de o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo provocar rusgas com a China, nosso principal parceiro comercial e um dos parceiros com capacidade de aportar recursos em projetos no Brasil. Agora, mesmo afastada essa polêmica com os chineses, chefes das chancelarias estariam recomendando o distanciamento e a colocação de acordos com o país em stand by até que seja definida a eleição presidencial.
É necessário que o próximo presidente se volte no campo externo ao reposicionamento do Brasil na busca ativa e de reavivamento da força de moderação, de equilíbrio e de construção de consenso que marca a tradição da diplomacia brasileira. É essa postura que permitiu ao Brasil se posicionar como membro do grupo das 20 maiores economias do planeta, o G-20, entre os países emergentes (Brics), no qual fez parte ativa da construção, e sendo uma potência alimentar e ambiental.
A atenção e o reposicionamento diplomático do Brasil com o fortalecimento da postura de negociador são necessários para preservar e até eventualmente ampliar os interesses em países que compõem o principal mercado para os produtos brasileiros e, da mesma forma, aumentar o leque de fornecedores de itens estratégicos para o Brasil, como fertilizantes e produtos tecnológicos.
Mas, mais do que retomar a postura diplomática, será preciso consolidar o processo de entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube dos países ricos, e encaminhar a inserção do país no desenvolvimento de tecnologias de ponta.
No campo econômico, o presidente eleito conviverá com a economia mundial crescendo menos e com taxas de juros mais elevadas, conforme alerta da própria OCDE. Durante a pandemia, o Brasil se beneficiou interna e externamente de programas de benefícios para preservar a renda dos cidadãos e de crédito barato para garantir fluxo de caixa para as empresas.
Essa política expansionista, após a abertura das economias e a invasão da Ucrânia pela Rússia, acelerou os preços em todo o mundo, com a inflação se tornando um grande problema. Nesse cenário, o Brasil, que iniciou antes a elevação dos juros, terá de manter a taxa básica, enquanto Estados Unidos e Europa aumentam os juros para combater uma aceleração de preços sem precedentes em anos.
A política externa brasileira parece menor diante dos enormes desafios internos, com o aumento da desigualdade social, de brasileiros vivendo em extrema pobreza e da fome, além do crescimento do desmatamento (que ameaça nossas exportações agrícolas) e da violência e sensação de insegurança.
Mas é olhando para fora que o novo governo pode encontrar as formas de superar os problemas internos, assegurando mercado para nossos produtos e, consequentemente, renda para o Brasil e contribuindo para atrair capitais para investimentos produtivos e para a infraestrutura. O cenário interno e externo são desafiadores, mas uma ação integrada da política externa em defesa dos nossos interesses pode — e deve — estar associada às ações para amenizar os problemas internos.