Análise

Artigo: O voto útil

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregistavo10@terra.com.br)

Faltam cinco dias para a realização do primeiro turno das eleições gerais de 2022. É natural que um candidato, ansioso para reduzir tensões e pressões, convide seus adversários a sufragar o voto útil e liquidar o problema de uma vez só. Sem o recurso do segundo turno. Vale tudo no final de campanha. Os argumentos se sucedem, mas nenhum deles explica o motivo pelo qual o cidadão deve renunciar a seu direito de escolher. Ou de entregar um cheque em branco para um dos postulantes.

O presidente Jair Bolsonaro está diante do próprio desempenho. Ele corre o sério risco de ser o primeiro governante a não se reeleger desde a redemocratização do país. O chefe do governo paga o preço da improvisação de sua administração. Bolsonaro venceu a eleição em 2018 com poucos recursos, mas com surpreendente atuação nas redes sociais. Foi o trabalho desenvolvido por seu filho Carlos, que tem cega devoção pelo pai. Durante todo o governo Bolsonaro, Carluxo torpedeou as tentativas de normalizar relações com a imprensa, que desde o primeiro momento foi tratada como inimigA do governo.

Mas, Bolsonaro é Bolsonaro. Ao invés de discursar da varanda no prédio da Embaixada do Brasil em Londres, ele poderia ter lembrado ao rei Charles III o sucesso do almirante Thomas Cochrane, que trabalhou como mercenário para a Marinha brasileira, ameaçou bombardear Salvador e Belém do Pará, em julho e agosto de 1823, e garantiu a adesão das províncias à Independência do Brasil. Ou a rainha Elizabeth II, mãe do rei, que lançou a pedra fundamental da ponte Rio-Niterói, em 1968, obra financiada por bancos ingleses. No entanto, o presidente brasileiro, numa formalíssima solenidade de luto, preferiu abrir o sorriso e dar tapinhas nas costas do soberano. Vexame.

O desfile de candidatos na televisão e nos debates tem sido produtivo para instruir o eleitor. Soraya Thronicke, por exemplo, colocou em pauta o imposto único, que é combatido por diversos economistas e ideia aplaudida por muita gente. Afinal de contas, trata-se de trocar todos os impostos federais por uma taxa a ser cobrada nas transações financeiras. Todos pagam, sem exceção. Os técnicos têm restrições ao projeto do economista Marcos Cintra. Mas é fato que o cipoal tributário brasileiro encarece a vida de todos os nacionais e sustenta a existência de uma instituição pesadíssima e muito cara: a Receita Federal. Há muitos anos se fala no Congresso e fora dele na reforma tributária. Os líderes nunca chegaram perto de algo concreto.

Simone Tebet, candidata do MDB, com a vice Mara Gabrilli, do PSDB, desfila bem nas passarelas do país. Frequenta feiras, comícios, debates, anda pelas cidades com desembaraço. Ela tem o suporte de uma sólida assessoria, de caráter liberal, composta por alguns dos melhores nomes da universidade brasileira. Ela tem o que dizer na área social e, sobretudo, na seara econômica. Tem experiência administrativa e vivência na política. Fala bem e honra o legado do pai, que foi presidente do Senado, Ramez Tebet. Ciro Gomes, que se transformou numa espécie de anti-Lula na esquerda, tem projetos e planos para todos os segmentos da sociedade nacional. Algumas de suas ideias foram incorporadas por Lula, como a da renda mínima e a quitação de débitos de pequenos devedores.

Há uma sensação de urgência em liquidar, rapidamente, a possibilidade de ascensão do fascismo, representado pelo governo Bolsonaro. A pressão pelo voto útil ganha expressão e volume. Artistas e intelectuais manifestam opiniões e tentam constranger eleitores a votar em Lula e acabar com a eleição já no primeiro turno. São pressões legítimas. Mas foi a sensação de urgência que levou o antipetismo a colocar Bolsonaro no poder quatro anos atrás e, por consequência, o Brasil na posição de pária internacional, campeão no quesito desmatamento, condenado a passar vergonha por ter um presidente com nível intelectual baixíssimo e comportamento de rebelde sem causa.

O fascismo já mostrou sua face na sociedade nacional. Os ingredientes da crise já estão lançados. As soluções para sair do labirinto vão se revelar na medida em que os candidatos negociarem acordos entre si para indicar caminhos, opções e políticas. Mais três semanas de negociações não terão o poder de mudar a opinião prevalente do eleitor, mas farão com que os candidatos se comprometam com mais e melhores programas de governo. Promessas há em demasia. Faltam compromissos claros, perceptíveis e publicamente assumidos.