FRANCISCO AIRES AFONSO FILHO - Tata Nganga Ngunzetala, graduado em teologia (Fateb, 1994) e pedagogia (UnB, 2002), pós-graduado em direito administrativo disciplinar (UnB, 2006)
A comunidade afrotradicional de Brasília e Entorno se viu, na semana passada, acusada de intolerância e invasão a um templo cristão de confissão romana, em Sobradinho, quando uma recém-iniciada no candomblé entrou e saudou o altar-mor como parte da ritualística e da liturgia do processo iniciático do candomblé. Ouviam-se palavras de exorcismo, como se aquelas pessoas fossem o demônio. O pároco se sentiu afrontado. Ele registrou que não houve nenhum ato de vandalismo por parte das pessoas que vestiam indumentárias e roupas litúrgicas do candomblé.
Depois de algumas reações, além de vídeos que soavam como um pedido de perdão em nome das tradições afro, o bispo ressaltou o mal-estar que a comunidade católica sentiu com a presença das pessoas de tradição afro. Declarou, no entanto, o respeito pelas tradições de matriz africana, além de conclamar os líderes religiosos ao diálogo e à construção da paz.
É compreensível que a comunidade se sinta invadida, uma vez que não houve prévio acerto para aquele momento. Mas não ocorreu nenhuma reflexão histórica sobre o ato e como ele fora construído historicamente.
Não houve nenhuma consideração em relação à voz exorcizando e repetindo fórmulas religiosas de esconjurações, que atribuíam àquelas pessoas afro o caráter demoníaco. A igreja não fez nenhuma reflexão sobre o tráfico africanos, suas necessidades de sobrevivência e de se reorganizar de acordo com suas cosmogonias e identidades, enquanto subjugadas pelo referencial civilizatório e colonizador cristão.
A aparente submissão à igreja era também um ato de sobrevivência. Para tanto, por vários motivos, a visita dos recém-iniciados a templos cristãos e o pedido de bênção aos sacerdotes cristãos eram exigidos, anteriormente — pelo menos no Candomblé baiano —, entendidos como uma etapa iniciática. Tratava-se de ritual entendido como normal pelo clero católico, que exteriorizava o seu poder dominador. Inicialmente, tolerada e, depois, rejeitada pela igreja.
Há muito tempo, a visita das pessoas recém-iniciadas (munzenza/iaô) à igreja se limitava às escadas, enquanto as portas do templo cristão permaneciam fechadas, como foi por várias gerações, quando pessoas africanas — chamadas simplesmente de pretas — não tinham permissão para entrar nos templos. Elas aguardavam nas escadarias com as liteiras, enquanto os cristãos "piedosos" cultuavam, para carregá-los de volta a suas casas. Como resultado, nasceram as igrejas e as irmandades de pretas e pretos, mantidas pelos africanos, provocando uma falsa aceitação daquela sociedade excludente. Além de proporcionar força política e organização, as confrarias eram atos de resistência e manutenção das identidades, pois os negros não poderiam se reunir nem se organizar em territórios ou espaços próprios.
Ser aceito numa igreja católica e "abençoado" pelo padre era um jeito de se sentir "humano", fazendo parte daquela civilização, mesmo sabendo que as divindades, conceitos e cosmogonias africanas não precisavam de bênção externa para serem verdadeiras e legítimas. Nada disso foi levado em conta pelos atores que se manifestaram no episódio em questão.
Brasília é uma região eurocentrada, sem convivência com as manifestações culturais e identitárias africanas, preservadas e mantidas por algumas casas de candomblé, como é a impressão que temos em Salvador, onde é comum pessoas africanas e seus descendentes, ou iniciadas nas diversas tradições de matriz africana, que compõem aquela cidade, andar pelas ruas com roupas características do candomblé, carregando imagens de santos católicos, fazendo procissões cristãs ou realizando lavagens de escadarias de templos católicos.
Embora respeitemos quem ainda pratica a ida à igreja de iniciados em tradições africanas, entendemos como desnecessário o pedido de bênção à igreja pelos iniciados no candomblé. Reforçamos que não são ritos da afrorreligiosidade, mas uma prática histórica, com os resquícios do processo escravocrata, que obrigava toda a sociedade a ser cristã. O ato de saudar o altar da igreja e pedir uma bênção é tido como um rito cristão, mesmo realizado por iniciados em tradição africana. Não é um rito afro.
São necessárias uma conversa prévia e a construção de espaços e canais de diálogos entre líderes, para que tenhamos uma sociedade em paz e convivendo em harmonia com a diversidade. Concordamos com o bispo. Mas, nesse caso, se houve a necessidade de pedido de perdão ou desculpas, ela deveria ser mútua e recíproca.
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