A 101 dias do fim do governo de Jair Bolsonaro, caso as pesquisas se confirmem nas urnas, uma notícia (mais uma) causa espanto em quem ainda cultiva o mínimo de civilidade e de bom senso. Um despacho do presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deverá anular multas ambientais, aplicadas entre 2008 e 2019, que podem chegar a R$ 16,2 bilhões. Foram expedidas para conter o desmatamento, as queimadas e o transporte ilegal de madeira. O valor seria o suficiente para construir 1.800 escolas públicas com 10 salas de aula. A anulação das multas equivale, na prática, a um gesto de condescendência para com os infratores.
Mas o "perdão" a quem destrói o meio ambiente não pode ser visto de forma isolada. Parece fazer parte de uma política perniciosa de desrespeito às leis ambientais e de predação da natureza. Durante discurso na Assembleia Geral da ONU, Jair Bolsonaro afirmou que mais de 80% da Floresta Amazônica permanece intocada, "ao contrário do que é divulgado pela grande mídia nacional e internacional". Também garantiu que, em matéria de meio ambiente, o Brasil é referência para o mundo. Mas os fatos falam por si, e eles são catastróficos.
2022 nem acabou e o desmatamento na Amazônia é o maior em 15 anos. Entre janeiro e agosto deste ano, foram derrubados 7.943 quilômetros quadrados de floresta — o equivalente a 794.300 campos de futebol. O presidente, de forma deliberada, chegou a criticar a destruição de maquinários em áreas de garimpo ilegal. Quem não se lembra da promessa do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles de "passar a boiada", durante reunião no Planalto em 22 de abril de 2020? Há quem diga que, ante a possibilidade cada vez mais certa de derrota nas urnas, o presidente decidiu abrir a porteira e permitir o estouro da boiada.
Ambientalistas temem a aceleração da devastação da Amazônia até 31 de dezembro. Mais uma insensatez em um governo que se compromete, ante a comunidade internacional, a honrar as metas de desmatamento e a reduzir as emissões de gás carbônico e, na prática, faz exatamente o oposto. Difícil esperar algum bom senso de quem vai a Londres para o funeral da rainha e faz comício para uma claque.
Nossos filhos, netos e bisnetos pagarão o preço da irresponsabilidade e da inexistência de uma política ambiental de proteção da Amazônia. Não me causa estranheza a frieza e a insensibilidade do governo após o anúncio das mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, em junho passado. Ambos eram guardiões da floresta. Todos nós temos a obrigação de defender a Amazônia, de cobrar das autoridades a fiscalização severa na floresta e a punição exemplar aos transgressores, de exigir o fim do desmatamento. Pelo futuro das próximas gerações.