Por OTÁVIO RÊGO BARROS — General da reserva, foi chefe do Centro de Comunicação Social do Exército
Oito de setembro amanheceu radioso na capital da antiga colônia portuguesa. Céu azul como sempre, temperatura elevada e uma suave brisa avermelhada pela seca que castiga a cidade. Brasília despertou da ressaca pelas comemorações do Bicentenário da Independência com boas notícias.
Os eventos que se encontravam sub judice, cercados por preocupações acerca de questões de segurança, transcorreram dentro da normalidade. As bandeirolas verdes e amarelas, cores de nossa alma, ainda balouçavam nos postes do imponente Eixo Monumental.
Todavia, a nação recomeçava sua caminhada para mais um dia de atribulações — desemprego elevado, transporte público lotado, famílias com fome, brigas eleitorais —, órfã de um discurso de esperança. Um professor, vindo d'além-mar, se predispôs a assumir essa tarefa perante o Parlamento brasileiro. Ele a redime, nação, em uma fala tomada de sentimento e história.
Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, vestido com a dignidade da profissão de ensinar, nos instruiu em 12 minutos a reconhecer e valorizar a trajetória de nosso povo em seus 522 anos de existência. Chamou ao púlpito Dom Pedro e discorreu sobre os fatos históricos que o dignificaram como libertador e defensor do Brasil.
Lembrou-nos o mestre, com carinho, o acelerado fluxo de acontecimentos de 1822: "O fico pela vontade do povo em 9 de fevereiro, a aceitação do título de defensor do Brasil em 13 de maio, a reunião dos constituintes no Rio de Janeiro em 3 de julho, o impulso realíssimo da imperatriz dona Leopoldina e, por fim, o lendário grito 'Independência ou Morte'".
Sua sensibilidade também iluminou a unidade linguística, as vivências religiosas e culturais e o sem-número de africanos, pelas suas escravidões, explorações e discriminações seculares que marcaram a nossa trajetória desde a colônia até os nossos dias.
Relembrou o centenário de nossa Independência, impactado pela efervescência da Semana de Arte Moderna, ao oferecer o discurso de um seu compatriota, naquela ocasião, o presidente António José de Almeida, para meditação da plateia.
"Estou aqui em nome de Portugal para agradecer aos brasileiros o favor que hoje nos prestaram a nós, proclamando-se independentes." Agradeceu, ele próprio, Marcelo Rebelo, por reconhecer que portugueses, estando, sem dúvida alguma, exaustos e debilitados, não teriam condições de manter a unidade de tamanhas terras, e veriam seu esfacelamento em diminutos rincões, à semelhança da espanhola América.
Agradeceu por escritores como Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Jorge Amado e músicos como Heitor Villa-Lobos, Ary Barroso, Luiz Gonzaga, Tom Jobim, entre outros.
Quem, senão uma sensível alma de estadista, tomaria referências culturais para fotografar o nosso país? Agradeceu por termos conquistado o direito de falarmos por primeiro na abertura anual da Assembleia-Geral das Nações Unidas, símbolo de um mundo de olhar humanista, aberto à paz, ao multilateralismo, aos direitos humanos, aos valores da carta e do direito internacional. Agradeceu a constância dos anseios de inclusão, o grande desafio deste tempo, envolvendo justiça social, inventiva, educativa e cultural, científica e tecnológica para além das conjunturas passageiras de cada período ou instante.
Aqui, sua sutileza diplomática, que nos escancara os problemas mais prementes de nosso povo, não pode passar-nos despercebida. Já por concluir, o veterano mestre nos exalta e emula: "Queridos irmãos brasileiros, continuai a maravilhar-nos como pátria de liberdade, de democracia, de justiça, de sonho, de esperança, de reinvenção ilimitada, potência universal no presente e no futuro".
Chegou a nossa hora, brasileiros, de agradecer a esse ilustre professor, dirigente maior de nossa pátria mãe, por trazer à realidade as fantasias, sem ofensas, sem platitudes. Uma realidade a ser enfrentada como eles enfrentaram os oceanos bravios e desconhecidos para oferecer ao mundo novas terras e novas civilizações.
Hora de agradecer por ele ter completado com dignidade as falas de nossos legisladores, em uma simbiose de liturgia racional e emocional, que o Brasil estava a nos cobrar desde a véspera das solenidades cívicas-militares, que se transformaram, em alguns momentos, em pendengas eleitorais.
Hora de assumirmos, tomando como exemplo os próceres da nossa Independência, as rédeas de nosso destino e transformarmos este país de tanta fartura natural, riqueza cultural, diversidade política, potencialidade econômica e, nosso maior tesouro, um povo disposto a recomeçar sempre, em uma terra que nos encha de orgulho. Paz e bem.