DANIEL SCHNAIDER - Economista, administrador e engenheiro de software
Quando chega o ano eleitoral, o assunto da pobreza parece receber um foco de mais importância, afinal se trata de muitos eleitores que têm influência sobre deputados, senadores, governadores e até o presidente a ser escolhido. Mas o quanto esse assunto é de fato importante? Por que eu mesmo, que nunca fui pobre, nem perto disso, me interesso tanto pelo tema — e acredito que você também deveria.
Tento refletir por anos esse assunto e confesso que as respostas não vêm com facilidade ou obviedade. Minhas primeiras memórias como criança são no Rio de Janeiro, provavelmente, com 3 a 4 anos de idade, tínhamos cinco empregados em casa, em uma família de cinco, incluindo motorista, segurança e três a quatro pessoas responsáveis pela limpeza e alimentação. Senhora Rosa, Marli, Geraldo, Othon, Edson e às vezes Denise. Eu sentia, como se fossem parte da minha família. Especialmente a Marli, Geraldo e sua filha Denise eram pessoas de que genuinamente gostava. Quando foram mandados embora, porque nossa família pegou alguma doença devido a sua falta de higiene, fiquei devastado ao entender que jamais os veria de novo.
Foram muitos outros empregados que passaram por nossa linda casa na Rua Prof. Olinto de Oliveira. A Wanda, eu sabia que roubava, e queria de alguma forma ajudá-la para que não perdesse o emprego, mas mesmo sabendo que eu sabia, ela não se aguentava e continuava fazendo-o. Outro era um casal, de um homem preto e sua esposa, muito branca. Ele tinha medo de subir no elevador ao visitar o escritório do meu pai no centro da cidade e portanto só usava a escada. Um fim de semana, saíram, ela bebeu e, na volta para nossa casa, ele a espancou. Ver suas caras humilhadas saindo pela última vez de nossa casa, sem poder se despedir e ver o seu rosto deformado foi dolorido para o menino de 10 anos. Outro, era analfabeto e presenciei minha irmã dedicada em ensiná-lo a ler e escrever. Mas, se foi essa convivência que me ensinou a me preocupar pela "causa", não teriam as crianças dos vizinhos desenvolvido sentimentos similares?
Na família de um amiguinho da época, reconheci um filho de minha idade que tinha nível equivalente de sensibilidade como o meu, enquanto seu irmão era completamente indiferente à existência de seres em condições tão precárias. O pai se sensibilizava com a pobreza como alguém que a conhece e entende, já a mãe era de uma elite distante. Por mais que eu tenha nascido em uma família de classe alta, sabia que minha avó era venerada por meu pai, pois, entre muitas coisas, quando criança, minha avó passava fome para alimentar seus dois filhos.
Muitos de nós ficamos sensibilizados com o argumento moral da pobreza. Afinal, o rico que curte o avião privado para passar um fim de semana em família em Paris, quando outras pessoas não têm o que comer, vestir e um teto onde morar — demonstra algo de errado com a estrutura social. Aqui temos a consequência da sorte em nossas vidas e o próprio modelo capitalista. Referente ao último, ao comprar um avião privado, pagar o combustível, tomar um táxi para o aeroporto e os milhões de impostos para que tudo isso aconteça — está gerando empregos e oportunidades para muitos. Ou seja, estaríamos olhando a parcela do copo vazio, quando a outra está bem cheia?
Se sorte é a explicação entre diferentes classes sociais, então um pouco de humildade e generosidade não seria o mínimo a esperar dos mais abastados? Adam Smith reflete sobre esse tema no livro A teoria dos sentimentos morais — onde escreve: "Embora sejamos egoístas, novamente temos que descobrir como viver ao lado dos outros sem prejudicá-los. Esse é um mínimo essencial para a sobrevivência da sociedade. Se as pessoas forem mais longe e fizerem um bem positivo — beneficência — nós o saudamos, mas não podemos exigir tal ação como exigimos justiça."
Então, tanto a resposta como a solução estão nas palavras de Smith. A sensibilidade daqueles que querem ajudar os mais humildes se encontra não só na empatia pelo próximo, sendo ele subjetivo e diferente entre indivíduos, mas no egoísmo individual exercido para tornar a sociedade melhor para cada um de nós — como sugerido pelo autor da Mão Invisível.
Alguns poderão ver sua erradicação como mais consumidores, outros como colaboradores eficientes, mais cabeças pensantes, menos moradores de rua, diminuição do consumo de drogas e violência — ou apenas porque o deixa feliz quando ajuda o próximo. Mas ao mínimo seria prudente analisar quem são os perdedores com o fim da pobreza.
Um momento, alguém se beneficia com a pobreza? Em 1800 algo entre 85% e 95% da população mundial vivia em extrema pobreza. Hoje, esse número é menor que 10%, ainda assim se trata de mais de 600 milhões de pessoas, sendo 20 milhões no Brasil. O ponto é que algo certo foi feito para um grupo significativo. O restante é uma questão de tempo e processo, ou existem forças que estão impedindo o avanço por completo?
A erradicação da pobreza é importante por questões morais ou egoístas, ou, se você é indiferente mas aceita que o inimigo do seu inimigo é seu amigo — então talvez possa aceitar que a forma de governar é tão importante como a bandeira. O desvio de verbas por corruptos e o político que consegue comprar votos por alguns reais — são, em minha opinião, os maiores empecilhos para a erradicação da pobreza e a construção de uma sociedade que funcione para o maior número de pessoas — independentemente da ideologia.