Ser criança no Brasil significa, comumente, ficar à mercê dos mais variados tipos de violência; passar despercebida pelo poder público, como se invisível fosse; ter os direitos reiteradamente violados. É ser negligenciada, desrespeitada, entregue à própria sorte na fase da vida em que mais precisa de proteção.
Este é o país onde uma criança está grávida, pela segunda vez! Uma menina do Piauí, que teve filho aos 10 anos e que, agora, aos 11, está gestando mais um. Se isso não é a barbárie, o que é então? Uma garotinha vítima de estupros em série. A infância destruída. O primeiro crime foi ignorado, pavimentando, assim, a repetição da violência sexual. Onde estava o poder público, que não agiu na punição dos culpados, que não acolheu essa criança? E a família, onde estava? Omissões sucessivas — para dizer o mínimo —, e a dor quem carrega é a única inocente nessa história perversa.
Este é o país em que uma madrasta deixa a enteada, de 12 anos, numa boca de fumo, onde ela acabou estuprada. O caso ainda está em apuração pela polícia de Campo Grande. Uma das versões é de que a menina foi entregue como pagamento de uma dívida de drogas. O que se sabe é que o pai foi buscar a garotinha e a deixou com a vizinha que fez a denúncia. A criança estava muito machucada. Se isso não é a barbárie, o que é então?
Não há palavras suficientemente capazes de expressar a revolta, a repulsa com casos assim. É desesperador ver a frequência com que esses crimes hediondos se sucedem neste país. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostrou que, em 2021, houve 66.020 estupros no Brasil e, desses, 61,3% das vítimas tinham até 13 anos. Os alvos principais dos predadores sexuais estão na faixa entre 10 e 13 anos (31,7%), seguidos por crianças de 5 a 9 anos (19,1%) e de 0 a 4 anos (10,5%). Os dados correspondem apenas às denúncias feitas em delegacias, ou seja, a atrocidade tem proporções muito maiores. E não há reação à altura. A começar pelo poder público, o primeiro omisso. Estamos naturalizando a barbárie.
Repito o que já mencionei diversas vezes aqui neste espaço. Salvaguardar a camada mais vulnerável da população é obrigação de todos, previsto na Constituição. O artigo 227 da Carta Magna determina ser dever da família, da sociedade e do Estado manter crianças, adolescentes e jovens a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Mas para um sem-número de meninos e meninas neste país, isso é letra morta.