Por ANA CAROLINA D´AGOSTINI — Psicóloga, pedagoga e gerente de conteúdo do Programa Semente
A educação é um processo de construção contínua e a integração de todas as dimensões da nossa vida: dos saberes, das aptidões, das habilidades, da capacidade de discernimento e de ação. Educar é contribuir para o aperfeiçoamento intelectual, profissional e emocional.
Um aspecto importante do ato de educar é que aqueles que ensinam são pessoas significativas para a criança e influenciam a forma como ela se vê ou se percebe, pois elas constantemente lhe fornecem informações sobre habilidades, valores, destrezas. Assim, as avaliações que a própria criança faz a partir dessas experiências em sua vivência escolar podem interferir, positiva ou negativamente, em seu desenvolvimento. Nesse sentido, a qualidade do relacionamento professor-aluno no ambiente escolar também influencia na construção do conhecimento de si, elaborado pela criança.
A interação entre professores e alunos precisa ser constante e fazer parte da relação ensino-aprendizagem. O objetivo é desenvolver habilidades que vão além do domínio dos conteúdos conceituais, estimulando a problematização, o trabalho em equipe e a capacidade de exposição oral, por exemplo. Para que essa interação exista e flua, é necessário que os educadores tenham habilidades socioemocionais, em especial a empatia.
Na maioria das vezes, o foco da educação são os alunos, mas a pandemia do coronavírus trouxe novo desafio pedagógico. Em 2020, o corpo docente também precisou enfrentar novas adversidades: aprender a utilizar ferramentas tecnológicas, preparar e ministrar aulas on-line, reinventar-se e lidar com os medos e ansiedades dos estudantes diante de uma doença ainda pouco conhecida. Sem falar das questões emocionais dos próprios professores.
Foram muitas e ainda são muitas as pressões do dia a dia. Por consequência, a saúde mental do professor pode ser prejudicada. E, sem o cuidado adequado, isso trará sérios prejuízos para todos ao seu redor. A saúde mental do professor depende de ações positivas em relação a si mesmo e em relação aos alunos, colegas de trabalho, família, com especial destaque às interações no ambiente escolar, que, quando estão em harmonia, vão impactar diretamente a qualidade de vida do professor, tornando-o menos suscetível a transtornos mentais.
Já quando essas interações estão em desequilíbrio por algum fator, o estresse e o esgotamento emocional aumentam. O estresse afeta o funcionamento do cérebro e do sistema nervoso e, consequentemente, todo o corpo e seu metabolismo. Por isso, o professor que se desenvolve socioemocionalmente tem mais subsídio para lidar com os diferentes cenários e desafios apresentados no cotidiano escolar, além de ser uma ponte para o acolhimento de estudantes que estejam passando por problemas mais graves que envolvem a saúde mental.
Todos os anos, a campanha do Setembro Amarelo ganha destaque. Associada ao suicídio, a mortalidade é a ponta de um iceberg, ainda que a dor causada seja demasiadamente alta e de difícil superação. Mais de um em cada sete meninos e meninas, com idade entre 10 e 19 anos, vive com algum transtorno mental diagnosticado, de acordo com relatório global do Unicef. A pesquisa também mostra que quase 46 mil adolescentes morrem por suicídio a cada ano, uma das cinco principais causas de falecimento nessa faixa etária.
Em sala de aula, é possível identificar quando um estudante apresenta sinais silenciosos, que podem estar atrelados aos sintomas de doenças como ansiedade e depressão (dois dos muitos fatores que podem levar ao suicídio). Os educadores, que estão no dia a dia lidando com cada criança e adolescente, são capazes de observar indicadores como isolamento, desinteresse e agressividade, o que pode se agravar caso não haja um olhar especializado para isso.
Falar do assunto sempre foi e continua sendo tabu, principalmente no ambiente escolar. No entanto, esquivar-se do assunto gera desconhecimento. É fundamental, então, que os colégios possuam um canal de comunicação aberto para acolher a criança, o adolescente e mesmo o professor que está passando por problemas de saúde mental, sobretudo os que possam ter indícios de agravamento, levando a pensamentos sobre a falta de propósito ou de vontade de viver. Dessa maneira, é possível identificar casos graves e encaminhá-los para ajuda profissional.
Uma publicação recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), intitulada A educação no Brasil, uma perspectiva internacional, trata em um de seus tópicos sobre a importância de manter no ambiente escolar o bem-estar dos alunos e de desenvolver habilidades socioemocionais no processo pedagógico. A escola precisa unir o conhecimento das disciplinas tradicionais com as competências socioemocionais. Desta forma, o saber vira sabedoria.
As instituições que atuam de maneira estruturada com aprendizagem socioemocional, desde cedo, auxiliam o aluno a projetar sua trajetória de vida, com consciência de si mesmo e do mundo. Mas não é a mera criação uma nova disciplina que vai fazer com que o estudante garanta sua realização pessoal e profissional ou construa uma sociedade melhor.
A prática leva ao desenvolvimento. E isso pode ser feito a partir de atividades estruturadas que promovam a transformação do ambiente escolar para a geração de diálogos relevantes, duradouros e de impacto. Nesse contexto é que temas como o suicídio e as doenças que afetam a saúde mental são abordados. O resultado dessa conversa é o verdadeiro acolhimento.
Diariamente, os alunos são expostos a situações no dia a dia escolar que podem promover a aprendizagem socioemocional. Uma atividade em grupo, por exemplo, proposta pelo professor, fomenta a assertividade e o respeito, enquanto a insistência para resolver uma mesma questão de matemática impulsiona a persistência.
O relatório Situação Mundial da Infância 2021, publicado pela Unicef, pede que governos e parceiros dos setores público e privado se comprometam a promover a saúde mental de crianças, adolescentes e cuidadores, proteger os que precisam de ajuda e cuidar dos mais vulneráveis. Incluem-se aqui medidas como preparar pais, familiares e educadores para abordar o tema da saúde mental como parte da saúde integral, valorizando a rede de apoio entre pares e promovendo esse diálogo entre os próprios adolescentes sobre saúde mental.
Criar um ambiente de confiança e suporte, em que as dificuldades e sentimentos possam ser expostos com naturalidade, ajuda pais e educadores a perceber com mais facilidade os sinais de alerta, para agir rapidamente. O psicólogo educacional é um agente fundamental para proporcionar o desenvolvimento dos estudantes, professores e demais pessoas envolvidas no contexto da escola. Desse modo, as competências desse profissional vão ao encontro da prevenção, sem falar da adaptação dos indivíduos e da promoção do bem-estar e da excelência acadêmica.
Gestor, diretor, coordenador, professor, orientador, toda a comunidade escolar tem um papel fundamental na prevenção ao suicídio e na disseminação do diálogo sobre o assunto. Mas existe um limite, aquele em que apenas os profissionais de saúde, o psiquiatra, o psicólogo, o terapeuta e os canais de ajuda, como o Centro de Proteção à Vida (CVV), passam a atuar.
Em todo caso, sempre vem uma pergunta à mente: o que as pessoas do entorno podem fazer para tentar ajudar? Quando uma pessoa fala que não aguenta mais, pode-se dizer: "Conte-me mais sobre sua dor". Se ela se abrir, ela estará dando vazão aos sentimentos. Isso é fundamental. Um recurso de apoio é a escuta empática, sem julgamentos e com espírito de acolhida. No entanto, recomendar a procura por profissionais de saúde especializados é algo que pode fazer muita diferença para quem está nessa situação de vulnerabilidade.