Amanhã é o Dia Nacional do Cerrado. Em vez de comemorações, organizações da sociedade civil defensoras do bioma, ambientalistas e brasileiros engajados na luta pela preservação do patrimônio natural vão reverberar o Grito do Cerrado, no Eixão Norte, a menos de 20 quilômetros da Esplanada dos Ministérios e do Palácio do Planalto, em Brasília, de onde saem as políticas públicas voltadas ao meio ambiente.
A celebração foi instituída em 2003 para lembrar a importância do segundo maior bioma nacional, com área de pouco mais de 2 milhões do território nacional. A savana brasileira, como o cerrado também é conhecido, abriga três grandes aquíferos — Bambuí, com 180km², Urucuia, 120km² e Guarani, 1,2 milhão de km², que se estende até os países vizinhos — que dão origem às nascentes que alimentam oito das 12 maiores bacias hidrográficas do país que chegam aos cursos d'água da região platina, formada por Argentina, Uruguai e Paraguai, atendidos pela Bacia do Prata.
Não à toa, o cerrado é reconhecido como berço das águas. Embora tenha enorme relevância, vem sendo vítima, assim como a Amazônia e outros biomas, da inexistência de políticas de Estado que assegurem a sua proteção e estabeleçam regras para atividades agropecuárias e outras com forte impacto na biodiversidade que ele abriga (fauna, flora e recursos hídricos).
A falta de regramento para a ocupação do cerrado e regeneração de áreas degradadas contribui para um círculo pernicioso, que coloca em risco o potencial natural do bioma. O estudo Recuperação de áreas degradadas e reabilitação do solo no cerrado brasileiro — resultado da parceria entre a WWF e a Universidade Federal de Goiás —, divulgado ano passado, mostrou que em 7,7 milhões de hectares, com algum nível de degradação, é possível desenvolver cultivos de alimentos. Ou seja, não há necessidade de avançar com desmatamento para ampliar as fronteiras agrícolas.
Mesmo com todo esse espaço disponível às atividades produtivas, o cerrado, entre janeiro e julho último, teve mais de 4 mil km² desmatados, conforme detectou Sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) — um aumento de 28,2% na comparação com os primeiros sete meses de 2021, sendo o maior acúmulo para o período nos últimos quatro anos.
O avanço da degradação é resultado da inércia do poder público ante as sucessivas agressões ao meio ambiente. Revela também o descompromisso dos que vivem no campo e que dele tiram o próprio sustento com a conservação do bioma. Os desmatamentos poderão levar o cerrado ao colapso, comprometendo a qualidade de vida nos estados de Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal.
As agressões constantes afetarão também boa parte da Floresta Amazônica. O Rio Xingu, um dos afluentes do Rio Amazonas, tem suas nascentes no cerrado. O mesmo ocorre com a maior parte da Bacia Tocantins-Araguaia e as do Paranaíba. O Rio São Francisco, um ícone de Minas Gerais, inspirador para poetas e músicos, fonte de renda e alimento dos ribeirinhos também nasce no cerrado.
Uma debilidade irreversível da savana brasileira é grave ameaça às populações urbana, rural, povos tradicionais e originários, ambos guardiões do patrimônio natural do ecossistema. Meio ambiente, portanto, não pode ser tema alijado do debate político neste ano eleitoral. Aos candidatos cabe mostrar, sem maquiagem, quais seus projetos, realmente factíveis para reverter as tragédias em curso. Se nada for feito, a negligência e a irresponsabilidade terão consequências inimagináveis. O Grito do Cerrado deve ser ouvido por todos que pretendem comandar o país.