OPINIÃO

Artigo: 'Duas prioridades num mar de prioridades'

Por MOZART NEVES RAMOS — Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE

Eleger prioridades na área da educação não é trivial. São muitos desafios, que foram substancialmente ampliados pela covid-19, especialmente no que se refere às aprendizagens escolares e ao crescimento do abandono escolar. Antes da pandemia — dados de 2019 —, os resultados das avaliações mostravam que, de cada 100 estudantes que concluíam o ensino médio na rede pública, apenas 7 haviam aprendido o que seria esperado em matemática. A cada ano, em média, 500 mil jovens abandonavam o ensino médio, o que significa um jovem deixando a escola por minuto.

Uma tragédia para um país que está em franco processo de mudança na sua janela demográfica até 2030, e que, na prática, não poderia se dar ao luxo de perder nenhum jovem. O topo da pirâmide demográfica está alargando e crescendo, enquanto a base não para de encolher. A sustentabilidade de qualquer país, nesse e em qualquer cenário, passa necessariamente por uma juventude bem formada.

Mas o Brasil tem uma bússola importante para reverter esse quadro do Ensino Médio: basta dar escala, como já vem acontecendo, ao modelo de escola de ensino médio em tempo integral (Emti) iniciado em 2004 no estado de Pernambuco. Trata-se de um modelo em que o jovem se encontra no centro no processo de ensino e de aprendizagem; ele é protagonista do próprio desenvolvimento, com maior autonomia para tomar decisões com foco no seu projeto de vida.

Não se trata, portanto, de mais tempo na escola, mas de uma escola que dê significado ao jovem que, na prática, quer uma escola que caiba na vida. Concebe-se assim para esse jovem uma escola de tempo integral com educação integral. Esse modelo levou Pernambuco da 21ª posição, em 2007, para as três primeiras posições desde 2015 no ranking nacional do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

Se eu tivesse que definir duas prioridades para os próximos anos, em termos de etapa e modalidade educacional, não teria dúvida em apontar um forte trabalho para os anos finais do ensino fundamental, inspirado nesse modelo de escolas Emti, e a expansão de vagas no ensino técnico, olhando para uma oferta que atendesse à demanda do território.

Os ganhos de aprendizagens nos anos iniciais do ensino fundamental que o país vem conseguindo ao longo da última década não são verificados nos anos finais. De cada 100 alunos da rede pública no Brasil que terminaram em 2019 o 5º ano do ensino fundamental, 47 aprenderam o que seria esperado em matemática; e, ao final do 9º ano, esse percentual desaba para 18. Nem mesmo o estado do Ceará, que tem excelentes resultados nos anos iniciais, consegue manter o mesmo patamar de excelência nos anos finais; esses números são, respectivamente, 53 e 25, como se pode ver no portal QEdu — qedu.org.br.

Já no caso da segunda prioridade, a expansão do ensino técnico atrelada à demanda regional/local, atendendo a uma meta que promova a empregabilidade e o desenvolvimento profissional do jovem brasileiro, é fundamental para o desenvolvimento social e econômico do país. Estima-se que, de cada 100 jovens que concluem o ensino médio no Brasil, apenas 22 vão para o ensino superior. É preciso ter uma política para esses 78 jovens, de maneira que o ensino médio não represente o teto no seu projeto de vida. Ter uma política de pós-médio é essencial para que o país reduza o elevado número de jovens — que são mais de 13 milhões de 15 a 29 anos — na categoria dos nem-nem, que nem estudam nem trabalham.

Naturalmente, cuidar da qualidade da formação de nossos professores e da profissionalização da gestão escolar são pontos de partida (e não de chegada) para que tudo isso aconteça. Sem bons professores, bem formados e valorizados, o Brasil não avançará, pois, dentre os fatores intraescolares, a qualidade do professor é o mais importante para a aprendizagem escolar, seguida de perto pela qualidade da gestão da escola.

Para esses dois temas, o Brasil, através do Conselho Nacional de Educação (CNE), produziu dois importantes documentos que podem contribuir sobremaneira para a qualidade da educação. É preciso agora ter vontade política para implementá-los. Concluo lembrando o velho ditado segundo o qual não se faz omelete sem quebrar ovos. Foi assim que implementamos em Pernambuco o modelo de escolas de ensino médio em tempo integral (Emti).

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