PEDRO SOMMA - CSO da MaaS Global
A esta altura, já está claro para todos que as eleições deste ano têm um impacto enorme no futuro. Todas têm, mas em praticamente todos os setores da nossa sociedade, o momento é especialmente crítico e o sucesso (ou fracasso) de diversas políticas públicas depende de decisões rápidas e assertivas de gestores públicos, tanto no nível federal, quanto no estadual. Na mobilidade, por exemplo, está sendo decidido agora o modelo de transporte — e cidade — que queremos.
A pandemia trouxe diversos impactos para o transporte público: a queda drástica no número de passageiros, com impacto direto na receita, deixou muitas empresas em situação calamitosa, necessitando de apoio financeiro direto do setor público. No entanto, a crise do transporte vem desde antes disso, sendo a covid-19 apenas um acelerador do processo, mas não seu gerador. Números da cidade de São Paulo já apontavam uma queda no número de usuários dos ônibus como resultado da oferta de novas opções de transporte, como a maior demanda do uso de carros contratados por aplicativo. Em uma cidade de mais de 11 milhões de pessoas, imaginar que a mobilidade será resolvida por meio de carros é o mesmo que acreditar que vamos tornar as cidades mais sustentáveis aumentando as emissões de CO². Não há solução para a mobilidade urbana (e para as mudanças climáticas) sem o transporte público.
Mesmo concordando comigo, o leitor pode agora trazer uma questão essencial para essa conversa: a qualidade do transporte público. A realidade do transporte público em muitas cidades do Brasil mais afasta do que aproxima os passageiros. Transportes em condições precárias e uma operação pouco previsível são alguns dos percalços que os clientes da mobilidade enfrentam diariamente. Além disso, facilidade de pagamento e integração também é uma barreira: enquanto em cidades como Londres ou mesmo Rio de Janeiro, basta entrar em uma estação de metrô para comprar um cartão de transporte, em São Paulo, para ter um bilhete único (BU) é necessário se cadastrar previamente em um site, aguardar um prazo para buscar retirar pessoalmente em um posto de atendimento da SPTrans (quem já viveu sabe o tormento que é). Pergunto agora: para todas as dores anteriores, quem é o principal responsável para encontrar soluções? Exatamente, o setor público.
É claro que ele não precisa fazer tudo sozinho. Na minha opinião, nem deve seguir esse caminho, mas cabe aos gestores públicos eleitos definir e coordenar agendas que consigam de fato trazer os passageiros de volta ao transporte público, reduzindo o uso de carros privados e devolvendo a cidade aos pedestres. A cooperação com o setor privado é uma ferramenta importante para isso: articular com os operadores de transporte melhorias para o conforto dos passageiros é chave, mas trabalhar em conjunto com plataformas de tecnologia tem papel importante para que o cidadão tenha, por exemplo, acesso facilitado ao pagamento integrado do transporte e à situação da mobilidade urbana em tempo real.
Tornar a comercialização de créditos aberta é relevante, mas o avanço para a validação no bloqueio (a famosa 'abertura da catraca') teria um impacto imenso para a experiência: passageiros passariam a comprar e usar créditos para o transporte público, integrando também com o pagamento de bicicletas e outros modais. O sucesso desse tipo de política de acesso ao transporte passa, exatamente, pela abertura do sistema de bilhetagem para o máximo de parceiros privados possível, tornando a oferta para os cidadãos ampla e irrestrita. Por que apenas um cartão de transporte se o que importa é melhorar a experiência de quem realmente precisa, o cliente do transporte público?
O mesmo vale para a previsibilidade: em São Paulo, por exemplo, já é possível encontrar no aplicativo da Quicko (e em outros) o horário em que cada ônibus chegará ao ponto de forma assertiva. Isso pode ser estendido para outros meios de transporte, caso os governos se disponibilizem a abrir dados operacionais de forma transparente, afinal, são dados públicos. Permitir que plataformas de tecnologia acessem dados em tempo real dos transportes vai tornar a experiência de embarcar em um ônibus mais segura e confiável, reduzindo, por exemplo, as incertezas que uma pessoa encara ao sair de casa para o trabalho.
Nesse sentido, questionar candidatos sobre a visão deles para melhorar a forma como as pessoas se deslocam pela cidade é chave. Se queremos cidades mais sustentáveis, com menos CO², mais seguras e menos ruidosas, priorizar formas de transporte público, com qualidade e facilidade, gerando mais acessos é fundamental. Exemplos de Paris, Londres e Nova York mostram que priorizar o cidadão é a melhor forma de melhorar a vida urbana. Em 2022, vamos às urnas e pergunto: vamos priorizar as pessoas?