MARIANA MOTA - Bióloga e mestre em ecologia, é coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace, atua em redes da sociedade civil e com incidência em instâncias do poder
Não é de hoje que governar a maior floresta tropical do mundo é um grande desafio. Tal missão requer legislação robusta, instituições eficientes, cooperação federativa, capacidade operacional do Estado — com recursos humanos e financeiros, e, sobretudo, muita vontade. Aquela vontade traduzida de forma sutil como a causa poderosa que ecoa nas ações mais perceptíveis da governança e que gera transformação dos problemas públicos. Até para enxergar tais problemas há que ter vontade. Algo que o atual governo de Jair Bolsonaro se orgulha de não ter. Isso posto, este será um ano decisivo e o eleitor terá condições mais concretas de expressar o que se quer para a Amazônia.
O Estado existe para cumprir as legítimas necessidades dos cidadãos, implementando direitos, como a proteção constitucional do meio ambiente. Para isso, governos eleitos devem se valer de políticas públicas que assumem forma de normativos, programas, orçamentos e assim por diante. A decisão de negar aquilo que ameaça o interesse público, desmantelar o que está em curso ou ser leniente com ilegalidades, passa pelo descumprimento do dever de Estado e pelo avanço de um projeto doloso a fim de beneficiar fortes interesses individuais ou privados. Não há vácuo. Alguém ganha enquanto a coletividade perde.
A ciência prova que o desmatamento gera impactos irreversíveis. Além de armazenar carbono, pela localização e tamanho, a Amazônia é fundamental para o regime das chuvas — o vapor d´água da floresta chega por massas de ar ao Sudeste e Sul do país. Os rios voadores abastecem reservatórios hídricos para geração de eletricidade, irrigação agrícola e fontes de água potável. Menos floresta gera problemas sociais como falta de água e aumento do preço da energia nas regiões mais populosas do país; leva, ainda, a eventos climáticos extremos — como secas prolongadas que afetam a produção agrícola ou chuvas intensas que provocam alagamentos e deslizamentos em áreas de risco. Problemas que fazem das famílias mais vulneráveis as maiores vítimas.
Assim como a fome, dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU) mostram que três em cada 10 habitantes do Brasil enfrentaram insegurança alimentar de 2019 a 2021. A perda de florestas e seus efeitos no clima explicam parte desse problema: secas prolongadas e mais frequentes nas regiões de cultivo, diminuem a oferta de alimentos e favorecem a subida de preços. É ainda mais revoltante que as famílias brasileiras passem fome enquanto a exportação de produtos do agronegócio decola, com alta de 34% de janeiro a abril deste ano, segundo o Ipea. Puxada pela demanda global de commodities e dólar alto, o agronegócio — dos segmentos mais subsidiados no país — lucra exportando ao passo que diminui a oferta aos brasileiros. Isso se agrava na medida em que a agricultura familiar, de incontestável valor para o abastecimento interno, sofre com o abandono de suas principais políticas públicas.
A falta de governo permite que a agropecuária de viés predatório, o garimpo, o roubo de madeira e a grilagem de terras públicas, tomem o controle da Amazônia. Criminosos ameaçam comunidades tradicionais e povos indígenas com violência e invasões de seus territórios — essenciais para a existência de seus saberes e fazeres. Segundo dados do INPE, a taxa de desmatamento da Amazônia teve aumento de 76% de 2018 a 2021. Enquanto nega o problema, o atual governo ataca políticas que funcionaram para reduzir o desmatamento em cerca de 80% entre 2004 e 2012, como o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAM) e o Fundo Amazônia, parado com cerca de R$ 3 bilhões em doações internacionais desde 2019.
Sem floresta não há solução à fome, inflação, violência e demais problemas que batem à porta dos brasileiros. É preciso dar o recado nas urnas — ao atual governo e aos próximos — que a falta de vontade para salvar as florestas não será tolerada. O Brasil precisa eleger um projeto de desenvolvimento econômico que leve em conta o meio ambiente como ativo e que tenha espaço democrático com participação e transparência para que a sociedade cobre todos os dias. Este ano, o eleitor será o principal tomador de decisão do país. E é esse poder do voto que ditará os caminhos que nos levem à esperança da salvação da Amazônia e de todos nós.