Depois que a Inglaterra se separou de seus vizinhos da Europa, por causa do resultado da votação democrática, órgãos de imprensa entrevistaram pessoas que votaram pela separação, tentando entender os motivos que as moveram. As respostas, frequentemente, não faziam sentido algum, pois não passavam de argumentos ilógicos, frases feitas e suposições sem base, repetindo mantras de políticos conservadores. Muitos eleitores confessaram, sem constrangimento, que não entendiam nada de economia, ou ciência política e que seu voto se dera por conta de promessas de vida melhor se a Inglaterra se afastasse de países gastadores como França e Itália, algo que esses votantes nunca se deram ao trabalho de analisar. Acreditaram também que, com a separação, haveria mais e melhores empregos, uma vez que imigrantes seriam barrados. Enfim, votaram em algo tão importante quanto o Brexit, baseados apenas em afirmações ocas, e não em fatores objetivos e análises racionais.
Isso significa que a democracia não funciona? Analisemos. De fato, quantas pessoas votam em partidos e candidatos que apresentam propostas concretas para melhorar o país? Melhor ainda, o que é melhorar o país? Sim, pode-se dizer que postulantes a certos cargos não deveriam ter determinadas características e deveriam ter outras. Mas não é verdade que, na prática, tendemos a minimizar os defeitos de alguns e hipertrofiamos os defeitos de outros? Não é verdade que votamos fechando os olhos para os pecados daqueles que, antecipadamente, elegemos como sendo os melhores... pelo menos para nós mesmos?
- Alexandre de Moraes blinda ainda mais processo eleitoral
Se é verdade que detentores do poder legislam em causa própria, não é verdade também que a maior parte dos eleitores escolhe com base no que espera, ou imagina, que será melhor para ela, para sua atividade, para seus familiares, para sua igreja, para seu grupo, sem se importar se será o melhor para o país? Será que todos os que criticam o aparelhamento da máquina estatal, se eleitos, vão preencher cargos baseados apenas no mérito das pessoas, e não no interesse de ocupar espaço político?
Não, não é apenas o miserável, aquele que aceita a humilhação de entrar em filas para receber 10 ou 20 reais por dia, não é apenas ele que vai votar por interesse próprio. Com poucas, pouquíssimas exceções, é assim que as pessoas votam em nosso sistema democrático, onde a maioria dos partidos não têm sequer ideologia conhecida, mas têm donos bem conhecidos. Se, apesar do que diz a Constituição, não somos tão iguais perante a lei (alguém ainda tem dúvida sobre isso?) todos são muito parecidos na hora do voto. Na maioria esmagadora dos casos, vota-se por interesse, não por patriotismo ou espírito democrático.
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Alguns fingem que organizar abaixo-assinados os torna democratas perfeitos, outros acham que basta vomitar meia dúzia de frases nas redes sociais para se tornar grande democrata. Sinto dizer, mas optar por um número ou outro não é suficiente para promover as alterações que nossa sociedade tropical não conseguiu realizar nos seus primeiros cinco séculos de existência.
Estou pregando o rompimento de nossa jovem democracia? Não. Podem se acalmar os democratas radicais — eu mesmo sou um deles, desconfio até de síndicos de condomínio que lutam pela reeleição. Não estou detonando o sistema vigente, nem a Constituição e muito menos resolvi me aliar a grupos favoráveis ao fim do nosso sistema político. Ao contrário de muitos arrivistas, tenho uma história de luta democrática que inclui a criação de uma revista de ciências sociais em plena ditadura militar. Quando Florestan, Martins e eu criamos Debate Crítico, não tínhamos medo que a democracia fosse abalada. Ela já não existia e a simples manifestação de ideias, naquela época, podia ser punida com a morte, como ilustra o caso de Vladimir Herzog, assassinado pela repressão, sem que os assassinos tivessem a coragem de reconhecer seu ato.
Mas, hoje, defender a democracia não é suficiente, a não ser que essa atitude seja apenas um ponto de partida para as transformações que o Brasil precisa fazer com urgência. Para pegar o bonde da história? Não, sinto muito, ele passou. Mas para, ao menos, não perder de vista o referido bonde, que está longe, levando outros países.
Todos sabemos que educação é uma das peças-chave, como tem sido em estados nacionais tão diferentes quanto o Japão e a antiga União Soviética, a Coreia e a China, a Finlândia e Israel. Enquanto nessas plagas foram criados projetos distintos, cada um deles adequado à realidade de cada país, por aqui cometemos erros crassos, por incompetência, má fé ou falta de um projeto de Estado.
Senhores candidatos, saibam que abordar pequenos problemas aqui e ali, com o objetivo de garantir apenas uma vitória na próxima eleição, é meta medíocre que não resolve problemas estruturais do país. Ver o país do jeito que está e se conformar com objetivos que não provocarão mudanças reais dá uma terrível sensação de fracasso. Sinto muito.
*Jaime Pinsky é historiador, professor titular da Unicamp, doutor e livre docente da USP
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