Cobrir times de futebol aos 20 e poucos anos, num ambiente inóspito, sexista e nunca antes habitado pelo sexo feminino nos prepara, nos ensina, ou melhor, nos obriga a enfrentar o machismo com coragem. Fui transportada de volta ao campo, resgatada pela homenagem que o escritor Xico Sá fez a mim e à minha amiga, Vera Ogando, batizando de Vera Dubeux uma personagem de seu novo livro, A falta.
Fomos, os três, colegas na nossa pré-história jornalística e dividimos a cobertura dos campos para o incomparável semanário Tabloide Esportivo e para o Jornal do Comércio de Recife. De fato, não havia mulher cobrindo futebol por aquelas bandas. E o machismo era o maior protagonista. Tal como o goleiro da ótima ficção de Xico Sá, a nossa vivência no campo era também atormentada por pensamentos e reflexões, que podiam ter nos afastado de um estádio para sempre, tal a hostilidade do ambiente.
Mas a ideia de desistir não era parte de nossa natureza. Sobrevivemos aos homens pelados, às piadas machistas, ao assédio explícito, normalizado. Hoje, entendo que cobrir um vestiário de time de futebol não é muito diferente de cobrir política em Brasília. Passei minha carreira no jornalismo em Brasília frequentando gabinetes e plenários. E o que vi e ouvi era bem parecido com o que rolava à beira de um gramado, seja do futebol de várzea, seja dos campos estelares.
Ir a estádio de futebol desde criança ensina muito mais do que palavrões e prepara a gente para algo também maior que o machismo. É uma escola sobre o respeito aos limites, os seus e os dos outros. Conecta você com a realidade da diversidade de ideias e o obriga a olhar para a força do contraditório. Se não aprende ali que o adversário pode ser dono de angústias tão semelhantes à sua, certamente, vai passar batido por essa lição.
Levarei para sempre a memória dos estádios e o agrado de Xico Sá. Assim como levarei todos os depoimentos de mulheres políticas, juristas e de tantas outras profissões, que chegaram ao poder, mas não se livraram de piadas, cantadas, desrespeitos.
Apesar disso, estamos em vantagem se olharmos o passado. Não é mais com resignação que lidamos com situações como a que passou a jornalista Vera Magalhães no debate dos presidenciáveis na TV Bandeirantes no domingo passado ou por que passam outras jornalistas e políticas, como as candidatas Simone Tebet e Soraya Thronicke. O machismo verbalizado é abordado como tal e isso é parte da vitória.
No fim do segundo tempo, os palanques e ambientes políticos podem ser bem piores para as mulheres do que a antiga "geral" dos estádios. A diferença é que hoje não se aceita com silêncio. Mulheres botam a boca no mundo e é assim que deve ser.