ARTUR ANTÔNIO DOS SANTOS ARAÚJO Advogado, bancário e membro do Nosso Coletivo Negro DF
A história de luta da população negra pela inserção nos poderes legislativo e executivo remonta ao final do século 19. Desde o período da abolição da escravatura, as negras e negros buscavam um espaço de atuação nos campos de representação e poder. A conquista da cidadania plena da população negra e a superação das barreiras raciais no Brasil passa pela disputa das eleições, por isso, o movimento negro reivindica políticas de ação afirmativa para incentivar a participação da população negra no processo eleitoral e fomentar a conscientização sobre a necessidade de influenciar o resultado das urnas com a temática racial.
Referências intelectuais e ativistas do Movimento Negro estão se reunindo constantemente para pensarmos juntos sobre como a gente pode apontar caminhos para reconstruir o Brasil. Esses caminhos passam pelas disputas eleitorais deste outubro de 2022. Temos defendido políticas públicas que destaquem candidaturas negras e conduzam à conscientização das eleitoras e eleitores sobre a necessidade de considerar a questão racial nas pautas e projetos defendidos nestas eleições.
Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reuniu, em audiência pública, diversos representantes da sociedade civil para apresentar contribuições ao aperfeiçoamento de legislações e de políticas em curso para ampliar a participação da população negra no processo e resultado eleitoral. Na ocasião, o então presidente do TSE, ministro Edson Fachin, demonstrou consciência histórica e reafirmou o compromisso da Justiça Eleitoral de promover iniciativas voltadas à igualdade racial e trouxe indicadores mostrando a desigualdade racial na ocupação das cadeiras no Poder Legislativo.
A iniciativa do TSE para coletar os dados referentes ao quesito raça/cor das candidaturas foi fundamental para avaliarmos a inclusão de grupos raciais e étnicos nas eleições. Essas informações possibilitam qualificar os dados das candidaturas negras e nos ajudam a propor políticas públicas para inserção da população negra no processo eleitoral.
Negros e negras são sub-representados nos poderes legislativo e executivo, em razão da falta de apoio institucional partidário e de uma série de processos históricos que, ao longo do tempo, impediram ou dificultaram que as candidaturas negras tivessem maior participação na política. As iniciativas de ação afirmativa em favor de candidaturas negras criadas pelo TSE, Congresso Nacional e STF consolidam o reconhecimento pelo Estado da existência de uma questão racial na sociedade e consequentemente no sistema eleitoral e a necessidade de se adotar ação afirmativa que enfrente o racismo nos partidos e nas eleições.
Entretanto, os partidos não cumpriram nem combateram as fraudes à cota racial nas verbas públicas nas últimas eleições. Por isso, será fundamental que haja uma regulamentação mais específica da Justiça Eleitoral para o cumprimento da resolução aprovada pelo TSE a fim de combater possíveis fraudes no financiamento público das candidaturas negras. E que o Ministério Público, em conjunto com a Justiça Eleitoral, organize uma força tarefa para fiscalizar o cumprimento dessa resolução, deste modo reforçando a fiscalização da distribuição do fundo, das cotas das mulheres e situação das mulheres negras nos partidos.
Pessoas negras conscientes de sua história sabem que há uma luta coletiva por direitos para conquistarmos e as candidaturas negras são capazes de criar uma agenda política que seja pensada para a realidade das comunidades negras, assim como elaborar políticas públicas que combatam o preconceito e a discriminação racial.
Por outro lado, temos ciência do risco de aparecer candidaturas "jabuticabas" (preta por fora e branca por dentro) e pessoas negras despolitizadas com agendas que atacam as pautas dos movimentos negros e só prejudicaram pessoas e comunidades negras. Isso demonstra que a legislação é importante, mas o nosso controle social, vigilância e pressão sobre os partidos desse ser contínuo.
Apesar de reconhecer que as ações afirmativas qualificam o sistema eleitoral, ampliam a sua efetividade e fortalecem a democracia, há um longo caminho a percorrer, pois é preciso garantir a participação de representantes efetivos, ativistas e pessoas qualificadas com a "agenda negra" e que essas candidaturas tenham condições de igualdade para fazer campanhas eleitorais estruturadas para conseguirem votos suficientes para ocuparem cadeiras no Legislativo e no Executivo nas eleições de 2022.