EDITORIAL

Visão do Correio: A pandemia e a primeira infância

Correio Braziliense
postado em 24/09/2022 06:00

Na última quarta-feira, um estudo realizado pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Itaú Social, mostrou a triste realidade do Brasil no período pós-pandemia no que tange a crianças de 0 a 6 anos — a primeira infância. O levantamento comparou 10 indicadores da qualidade de vida de crianças nessa faixa etária, entre os quais destacam-se saúde, educação, segurança alimentar e proteção.

Antes mesmo de afetar as crianças, os indicadores mostram prejuízos à saúde materna. Foram analisados dados de 15 variáveis de forma contínua, entre 2015 e 2021, cobrindo períodos antes e durante a pandemia.

A partir de 2020, e especialmente em 2021, observou-se um aumento vertiginoso na mortalidade materna em todo o país. Entre 2015 e 2019, o índice no Brasil se manteve praticamente estável, próxima a 60 óbitos maternos a cada 100 mil nascidos vivos, ainda muito acima das metas recomendadas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (30 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos).

Desde o ano passado, entretanto, ocorreu um crescimento no número de mortes, que chegou a 113,6 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos em 2021 — um incremento de 89,3% desde 2019 —, sendo a covid-19 a grande responsável. Mais da metade das mortes maternas decorreram de infecção pelo novo coronavírus (53,4%).

Foi registrada também queda da taxa de acompanhamento pré-natal, de 72,9% (mães que fizeram pelo menos sete consultas) para 72,2%. Com relação às crianças, a cobertura vacinal foi um dos dados que mais chamaram a atenção. Dos 10 imunizantes destinados à primeira infância, comparando 2019 e 2021, a cobertura da BCG, por exemplo, caiu de 86,6% para 68,6%; e a da poliomielite, de 84,1% para 69,4%.

A crise econômica também impactou a alimentação infantil. O percentual de crianças de 0 a 5 anos muito abaixo do peso subiu de 1,1%, em 2020, para 1,7%, em 2021, o correspondente a cerca de 325 mil crianças desnutridas a mais.

Em três anos, as creches registraram uma redução de 338 mil matrículas. A pesquisa mostra ainda que as crianças praticaram menos atividades físicas, interagiram e brincaram menos, ficaram mais tempo diante das telas e aprenderam menos.

Bem se sabe que as crianças que estão na primeira infância viveram praticamente metade da existência em estado de pandemia, ou seja, quase três anos de vida. E é justamente nessa fase, especialmente nos três primeiros anos, que o cérebro da criança, assim como as linguagens e habilidades nos mais diversos campos, se desenvolve mais rapidamente.

Por outro lado, é durante esse período que os fatores de risco mais interferem no resultado final, a exemplo da pobreza, insegurança alimentar, falta de acesso a serviços como saúde e educação, violência, entre outros, interferindo negativamente na formação intelectual e psíquica dessas crianças.

A redução da interação social, o fechamento das escolas, serviços e comércio, as perdas econômicas, o desemprego, as mortes, a apreensão pela descoberta de vacinas, problemas de ordem física e mental — todo esse emaranhado de questões rondou seres humanos da primeira infância durante o período pandêmico e ainda ronda, se observarmos que o "normal" não é mais aquele. Mesmo temas "mais sofisticados" para o universo infantil reverberaram sobre as rotinas dos pequenos. Além da atenção e acolhimento dos pais, a busca de profissionais da saúde mental é uma ajuda bem-vinda. Para pais e filhos.

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