SEBASTIÃO RINALDI - Jornalista, professor de português como língua de acolhimento (Plac) no Instituto Adus e mestrando em educação e ciências sociais pela Feusp
Há exatamente quatro décadas, o mundo comemora o Dia Internacional da Paz (21 de setembro), instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), como parte de sua Assembleia Geral. É um momento não apenas de cessar fogo ou erguer uma bandeira branca: de acordo com a própria instituição, é a hora de fazer algo efetivo nesse sentido, para que o dia 21 de setembro não seja apenas uma sinalização no calendário ou uma atividade escolar com fim em si mesma.
Seria ingênuo achar que, depois de dois anos de uma crise sanitária das dimensões da pandemia da covid-19, o mundo não se depararia com uma guerra tão avassaladora? Dado o contexto, pode até ser impensável crer na diplomacia, mas o fato é que o conflito entre Rússia e Ucrânia, atualmente na marca do sétimo mês, surpreendeu-me — negativamente, claro. Não pela infeliz tendência do ser humano em guerrear, uma péssima inclinação, aparentemente longe de ser corrigida e, sim, pela prontidão das armas em posição de ataque.
Um ano após a tomada de poder do Afeganistão pelos talibãs, a ONG (Instituto Adus) na qual sou voluntário como professor de português há cinco anos, se vê às voltas com inúmeros solicitantes de acolhida humanitária deste país (de acordo com a nossa lei do migrante — nº 13.445 —, afegãos não se enquadram no perfil de refúgio). Turmas integralmente compostas por esse grupo específico se fazem notar, inclusive, sublinhando uma sazonalidade de nacionalidades, que sobrepõe classes anteriores formadas somente por venezuelanos.
Ao trazer o debate para a data cunhada pela Organização das Nações Unidas (ONU), impõe-se uma pergunta: é, de fato, difícil viver em paz com o vizinho? Exemplos históricos sinalizam uma possibilidade pacífica, como a independência da Índia em relação à Coroa Britânica, reconhecida em 1947 e protagonizada por Mahatma Gandhi e seu método de manifestação não violenta, o Satyagraha. No entanto, pode-se afirmar que o processo em si foi imune a sangue e lágrimas? Basta pensar na tensão remanescente entre Índia e Paquistão — leia-se: o conflito entre hinduístas e muçulmanos —, pesaroso até os dias atuais; ou na emancipação tardia do estado de Goa, à época, colônia lusitana. A cara, muitas vezes, não é tão distante da coroa, com o perdão do trocadilho.
Recentemente, ao ler Por uma revolução africana (Cia das Letras), de Frantz Fanon, sobre a conturbada independência argelina da França, marcada por sangrentos embates entre o país europeu e as forças rebeldes — com destaque para a Frente de Libertação Nacional da Argélia (FLNA) —, pensei que o modelo de desobediência civil pacífica de Gandhi pode ser posto em xeque aos olhos de muitos. Somente em 1962, a Argélia obteve soberania da metrópole do continente antigo, cujos preceitos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade não eram estendidos às colônias. E isso só ocorreu após muito derramamento de sangue de centenas de milhares de argelinos.
Os combates pautados por violência aconteceram de ambos os lados, e uma das perguntas que alguns estudiosos se fazem é se o mesmo êxito teria sido logrado caso as forças de rebeldia tivessem sido cordiais. Sou da opinião de que a violência nunca é o caminho, a não ser para o desencontro. Ao mesmo tempo, entendo que cada colônia, ao buscar soberania, desenvolveu a própria maneira de libertação, na maioria dos casos, de maneira involuntária ou insurgente. Falamos aqui de um contexto de extrema opressão e de outro momento histórico.
Neste Dia Internacional da Paz, não podemos deixar de lembrar que a Ucrânia existe, da mesma forma que Argélia, Afeganistão, Índia e outros países com conflitos no passado ou no presente devem ser levados em consideração, com simétrica compaixão e atenção dedicada. Uma realização seria se, assim como fez com Gilberto Gil, a paz invadisse mentes e corações coletivamente.
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