Por Thiago Diniz — Publicitário, jornalista, mestre em marketing pela The University of Huddersfield e doutorando em comunicação pela UFPE
Em meio ao ensaio para uma nova Guerra Fria e com administrações públicas brasileiras invocando o pior dos anos 1960 e 1970, surgem na esfera capitalista mundial duas figuras aparentemente opostas odiadas e admiradas pelos contadores de histórias. De um lado, os russos oligarcas e, de outro, o bilionário chamado de excêntrico Elon Musk.
Apesar de frutos de uma mesma era e de um mesmo produto — o aparente sucesso do capitalismo —, as imagens de ambos parecem trazer ao mundo da nova Guerra Fria heróis americanos e vilões russos no maior estilo hollywoodiano Rocky x Drago. Para os nascidos nos anos 1970, essa referência pode até parecer evidente, mas, para os mais novos, preciso esclarecer.
Rocky IV é um filme que celebra o american way of life em contraposição ao modo de vida soviético. Na película, Rocky, lutador de boxe norte-americano decadente e self-made man enfrenta Drago, pugilista russo que conta com toda a tecnologia disponível para a época e talvez também com algumas doses cavalares de anabolizantes.
No contexto dos anos 1980, essa abordagem apresentava a estratégia de diplomacia pública americana. Influenciar pensamentos por meio de uma imagem positiva ligada à liberdade e democracia sempre foi o objetivo do soft power dos Estados Unidos. Aliás, o soft power made in USA está presente no dia a dia brasileiro mais do que a gente imagina. Conta aí qual é a melhor série que você já viu? Falada em inglês? Ambientada em Nova York? Seis amigos com empregos mais ou menos sempre estão apoiando uns aos outros? Pois é, Friends também aqui, mas esse já é um outro assunto. Será?
Em diplomacia pública, as ferramentas postas estão ali. Construção de imagem de um país na tentativa de criar simpatia aos cidadãos de outras nações. Os grandes impérios, inclusive, criaram estruturas permanentes de promoção de cultura e estilo de vida. Algumas ferramentas você conhece pelo nome de Cultura Inglesa, Aliança Francesa, Instituto Cervantes, Instituto Goethe ou, mais recentemente, a escola canadense Maple Bear.
Os Estados Unidos foram além. A estrutura de comunicação é eficiente já que a indústria do cinema comercial (ou das séries televisivas) que conhecemos hoje está sediada lá, contando histórias americanas ou mesmo mundiais, mas sempre com um olhar do Tio Sam sobre o tema. Filmes em que os vencedores são ianques sempre estiveram em cartaz. Vietcongues, soviéticos ou extra-terrestres são fichinha para o mito do herói capitalista libertador do mundo.
O fato é que agora, na segunda década do século 21, na falta de uma China visivelmente beligerante, os russos aparecem de volta como o inimigo da vez. Desde o ano passado até hoje, temos acompanhado diversas ações de relações públicas provenientes do homem mais rico do mundo. Elon Musk, nascido na África do Sul, radicado no Canadá e naturalizado norte-americano incorpora como ninguém a imagem de sucesso, competência e inovação.
Realizou o sonho — ainda que de muito poucos — de levar o ser humano ao espaço — em meio a uma pandemia sem precedentes, anunciou a compra de uma das redes sociais mais influentes do mundo, incluídas aí movimentações complexas após essa suposta aquisição.
Ao mesmo tempo, no início da guerra da Ucrânia, as notícias vindas dos bilionários da Rússia davam conta de homens corruptos que se aproveitaram da queda da União Soviética e se mancomunam com a sucessão de administrações Vladmir Putin para fazer fortuna especialmente na indústria monopolizada de óleo e gás.
Aos olhos do planeta, criminosos donos de times de futebol, iates luxuosos e de uma vida sem comparação com a nossa aqui de baixo. Estava ali uma massa amorfa de também bilionários, mas que foram apelidados de oligarcas — já que, dessa vez, o anabolizante são os supostos contratos com o governo russo.
Musk? Ao contrário. Homem bilionário, empreendedor corajoso de diversas empresas do ramo de energia, IA e tecnologia. O mito do herói em carne viva não gera para si nenhum questionamento a respeito do Monopólio Digital que controla. Aliás, meio bolchevique essa coisa de monopólio, não? O fato é que, na prática, bilionários e oligarcas servem ao mesmo rei. Mas para quem transmite imagem, a coisa parece ser distinta, quando não é.
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