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Visto, lido e ouvido: Muito $inceros

Hoje, as legendas vivem à sombra do Estado, devidamente azeitados com verbas bilionárias, fechados em si mesmos, distantes da população, hoje chamada apenas de base

Circe Cunha (interina)
postado em 18/09/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

Canalizada sob as mais diversas rubricas, sob as mais inventivas nomenclaturas e de forma absolutamente compulsória, nenhuma legenda política, das mais de 30 que orbitam os legislativos do país, sobreviveria por mais de quatro anos ou por mais de uma eleição não fossem os recursos públicos empreendidos.

Apenas por esse aspecto sui generis, podemos inferir que a representação política, tão necessária para a manutenção do chamado Estado democrático de direito, por meio de partidos sustentados exclusivamente com verbas públicas, resulta, na verdade, numa espécie de democracia do tipo estatal.

Em outro sentido, pode-se entender que, por essa fórmula, o que os brasileiros têm em mãos para representá-los no parlamento, em todos os níveis, municipal, estadual e federal, são empresas típicas do Estado, que, ao contrário de muitas, espantosamente, não necessitam adotar regras de compliance ou mesmo prestar contas aos contribuintes dos recursos que arrecadam e dos gastos que empreendem.

A questão, nesse caso, é como alcançar uma verdadeira democracia, com igualdade de oportunidade, sabendo-se que a ponte que liga o cidadão ao Estado é inteiramente construída e alicerçada com a vontade e com os recursos estatais, administrados nesse caso por indivíduos ou grupos instalados dentro da máquina pública.

Quando surgiu como uma força nova dentro do cenário político do final dos anos 1970, o Partido dos Trabalhadores empolgava as oposições ao regime pelo fato de obter seus recursos diretamente da população, por meio de vaquinhas, venda de camisetas e churrascos, festas outros meios originais e absolutamente transparentes. Essa era a força que mantinha esse partido bem ao gosto popular. Esse tempo amador, mas autêntico, ficou no passado.

Hoje, as legendas vivem à sombra do Estado, devidamente azeitados com verbas bilionárias, fechados em si mesmos, distantes da população, hoje chamada apenas de base. Fenômeno semelhante parece ter ocorrido também com os clubes de futebol. Antigamente era comum falar-se em amor à camisa. Eram tempos de inocência dentro do futebol. Os times viviam praticamente dos recursos obtidos das bilheteria dos jogos.

Por esse critério, o desempenho no campeonato e a boa performance contavam muito para atrair público. Só os bons times, bem armados e treinados, sobreviviam aos torneios. Esses também foram tempos que estão bem longe. Atualmente, os times são empresas, e quem parece brilhar, mais do que os jogadores, são os cartolas. Guardadas as proporções e a importância de cada um para a vida dos brasileiros, os recursos fáceis e abundantes acabaram por roubar a paixão de eleitores e torcedores.

Fundos partidários e eleitorais para campanhas arrancam bilhões dos cidadãos, a cada ano, transformando as legendas em empresas de grande porte, capaz de fazer inveja aos países do Primeiro Mundo. Não é por outro motivo que existem, atualmente, tantos partidos, com a expectativa de criação de muitos outros. Ainda assim, com tanta fartura material, os partidos e os políticos nunca estiveram tão em baixa na confiança do cidadão.

Seguidas pesquisas mostram que, entre as instituições do país, aquelas que menos gozam da simpatia e da confiança dos brasileiros são justamente os partidos e os respectivos políticos. Por aí, pode-se ver que não é o dinheiro que torna pessoas, empresas e instituições em algo respeitável e aceito pela população.

Se o financiamento público, como afirmam muitos, é necessário para afastar a influência das empresas privadas, por outro lado a abundância de recursos e a sede como os políticos se atiram ao pote dos financiamentos públicos têm trazido mais prejuízos do que benefícios para os próprios políticos e, por tabela, para o processo de aperfeiçoamento da democracia brasileira.

Nem todo o dinheiro do mundo em propaganda seria capaz de reverter a perda de credibilidade. Um sinal de que o dinheiro não pode tudo é que a cada eleição aumenta o número de eleitores que simplesmente deixam de comparecer às urnas. Há, inclusive, estudos que mostram que, não fosse a obrigatoriedade do voto, determinada em lei, muitos eleitores só saberiam que é eleição por se tratar de um feriado.

Do ponto de vista do cidadão comum, os partidos vivem numa espécie de divórcio litigioso com a população. Transformados em clubes fechados e insistindo em manter interlocução apenas entre si e com aqueles instalados no poder e na máquina pública, os partidos políticos já não empolgam a população. Esse efeito é ruim para a democracia.

De acordo com o Instituto Internacional pela Democracia e Assistência eleitoral (Idea), 118 países adotam algum tipo de financiamento público para apoiar partidos ou campanhas, mas nenhum deles possui tantos recursos e facilidades como o sistema brasileiro. Ao deixar de sobreviver com as contribuições diretas dos filiados e simpatizantes, os partidos políticos começaram a cortar o cordão umbilical com a sociedade que afirmavam representar.

Ao adquirirem a independência econômica, muito acima das necessidades, as legendas se apartaram de vez da população, de quem só dependem efetivamente a cada quatro anos. Apoio efetivo só se compra daqueles que trabalham mais diretamente nas campanhas. Há uma crise dos partidos que parece só ser vista por aqueles que estão do lado de fora e que formam o grosso da população.

É justamente esse ponto que foi percebido, com a lupa da ganância, pelos mais caros e criativos marqueteiros de campanhas políticas de todo o país. Capazes de transformar água em vinho essas expertises da propaganda tiravam leite de pedra, mas, ainda assim, não foram capazes de solucionar a crise de identidade das legendas e seu desgaste perante a opinião pública.

Impressionante como ainda muitas legendas são capazes de vender a alma para garantir um tempo maior em rádio e televisão. Mais impressionante é verificar que, mesmo de posse de grandes somas de dinheiro, capazes de comprar os serviços dos mais renomados bruxos do marketing político, os partidos políticos não contam com a simpatia sincera da sociedade.

 


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