direitos das mulheres

Artigo: Mais um na rede

Correio Braziliense
postado em 15/09/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

RICARDO NOGUEIRA VIANA - Delegado Chefe da 6ª DP e professor de educação física

Em agosto, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou a campanha #ParaCadaUma, com vistas a combater a desinformação sobre os direitos das mulheres relacionados à violência em todos os seus aspectos. A campanha coincide com o 16º aniversário da Lei Maria da Penha. No mesmo viés, a Polícia Civil do Distrito Federal, desde 2020, investe com afinco no projeto Núcleo Integrado de Atendimento à Mulher (Nuiam), que tem como foco dar um atendimento multidisciplinar às vítimas alcançadas pela referida lei. O Núcleo soma-se à rede de proteção às mulheres vítimas de violência já existente no DF, entretanto, com um diferencial: alcança a mulher agredida logo após a ação criminosa.

A iniciativa traz não só o combate à criminalidade, mas também maior eficácia do trabalho da polícia judiciária e resgate da mulher vítima de violência. O Nuiam visa ao resgate da mulher, na esfera criminal e também nos aspectos cognitivo, afetivo, jurídico e até mesmo financeiro. Após o registro da ocorrência, é oportunizado à vítima ser atendida por psicólogos, assistente sociais e advogados.

Mulheres que estão presas a relacionamentos abusivos podem romper esse ciclo pernicioso através da mudança de comportamento. A experiência já ocorria com sucesso na Deam 1 e nas regiões de Vicente Pires, Núcleo Bandeirantes e Riacho Fundo. Agora, surge no Itapoã e no Paranoá. Urge citar que, quando o projeto finca suas raízes nas duas últimas regiões, está abrangendo nichos carentes e que assimilam um dos maiores índices de violência em relação à mulher do DF.

Após a ocorrência do ilícito penal, a vítima comparece à delegacia — sozinha ou acompanhada por agentes do Estado, e ali se inicia a lavratura do boletim de ocorrência, podendo ela, no bojo da comunicação, requerer medidas protetivas de urgência — provimento que é encaminhado ao Poder Judiciário para análise e que tem como fim garantir a sua proteção e a da família. Em 2020, foram registradas no DF 17.192 ocorrências relacionadas à Lei Maria da Penha e requeridas 9.789 medidas protetivas. Em 2021, foram 17.983 registros e 9.540 pedidos de medidas. Somente a 6ª Delegacia, responsável pelas regiões do Itapoã e do Paranoá, registrou, nos dois anos citados, 2.100 ocorrências relacionadas à referida lei, tendo sido a segunda delegacia com o maior número de comunicações do DF.

Em que pesem os números, após a conclusão de todo o rito apuratório: registro de ocorrência, medidas protetivas, inquérito policial e processo, muitas das vítimas manifestam desinteresse pela persecução criminal e retomam a relação conjugal. Esse fato acarreta o retorno de parte dessas mulheres às delegacias, após voltarem a sofrer violência por seus companheiros. Cito, como exemplo, um feminicídio ocorrido no Itapoã, em meados de 2021. Uma jovem de 22 anos que já se apresentava como vítima em cinco inquéritos policiais retornou ao convívio conjugal, após vários provimentos judiciais que determinaram o afastamento do agressor.

Na madrugada, os vizinhos chamaram a Polícia Militar, pois ela gritava de dor em razão de ter sido submetida a uma sessão de espancamento. Os policiais foram impedidos de ingressar, posto que a genitora do perpetrador relatou que nada de anormal acontecia ali. Após a saída dos militares, a sessão de tortura continuou e a vítima veio a falecer em razão de ter tido a cabeça esmagada por um taco de beisebol.

O Nuiam visa a fortalecer a mulher, para que ela possa analisar o seu passado, refletir sobre o presente e enxergar um novo futuro para si e para os filhos, de um relacionamento abusivo. A iniciativa não tem como premissa fomentar a separação de casais, mas restabelecer o equilíbrio da convivência afetiva, para que as partes retomem o relacionamento ou decidam pela separação em paridade de condições.

Com a experiência, é gratificante ver mulheres que pensavam até no autoextermínio almejarem novas condições de vida, trabalho e estudo, após a vivência com os profissionais. Urge frisar que um lar em lide afronta não só a saúde da mulher, mas também a educação e o desenvolvimento das crianças e adolescentes que ali habitam. A expectativa do projeto é que, com o trabalho da Polícia Civil e dos profissionais envolvidos, mulheres que foram subjugadas consigam se estruturar e construir novos caminhos, o que acarretará menores índices de registros policiais, uma comunidade mais equilibrada, bem como uma cidade e um país em transformação.

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