EDITORIAL

Visão do Correio: Agressividade vai de casa à política

Correio Braziliense
postado em 15/09/2022 06:00

As agressões à jornalista Vera Magalhães, em dois debates eleitorais entre presidenciáveis e entre postulantes ao governo de São Paulo, ressaltam flagrante desrespeito à mulher no país. Nas duas ocasiões, Vera foi rotulada de "vergonha do jornalismo brasileiro", por cumprir a principal função de fazer perguntas consideradas inadequadas ou desagradáveis na compreensão dos participantes. Nesta terça-feira, na TV Cultura, a cena protagonizada pelo deputado estadual Douglas Garcia (Republicano-SP), que realçou o desprezo dele e de muitos outros que ocupam cargos públicos, levados pelo voto popular, contra os profissionais da imprensa.

Além de acusá-la de ter um contrato de valor estratosférico, o deputado paulista, repetidas vezes, afirmou que Vera Magalhães envergonha a categoria, entre ofensas desprovidas de qualquer rebate na realidade. O inadequado comportamento do parlamentar, em campanha para chegar à Câmara Federal, é um retrato do machismo reinante na sociedade brasileira, que tem vitimado milhares de mulheres com agressões morais, psicológicas, físicas e atitudes letais. Ele seria tão agressivo se não fosse uma mulher?

O deplorável episódio, criticado até por correligionários do deputado estadual, é mais um que se soma a 357 casos de agressões a jornalistas nos primeiros sete meses deste ano. Deste total, 291 foram alertas de violações da liberdade de imprensa — 15,5% a mais do que em igual intervalo de tempo do ano passado —, que implicam críticas, estigmas, processos legais, restrições na internet e no acesso à informação e uso abusivo do poder estatal. Deste total, 66 — aumento de 69,2% na comparação a igual período de 2021 — foram atos graves de violência, que implicaram agressões físicas, destruição de equipamentos, ameaças e assassinatos, segundo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

Na política, foi preciso editar a Lei 14.192/2021, que impõe regras para prevenir e combater a violência política contra a mulher. Mais uma medida para garantir igualdade de condições na disputa pelos cargos eletivos. A nova lei, que será testada este ano, criminaliza comportamentos e ações que depreciam ou estimulam a discriminação em razão do sexo feminino ou em relação a cor, raça ou etnia — atrasos que edificavam barreiras ao ingresso das mulheres na disputa política.

Os maus exemplos das autoridades — há exceções — espelham a má educação e a péssima formação que reforçam práticas de violências cotidianas contra o universo feminino. Na maioria das vezes, os homens não assumem o ato danoso contra as mulheres, mesmo quando se trata de agressões físicas. O estudo Percepções sobre controle, assédio e violência doméstica: vivências e práticas, realizado pelo Instituto Patrícia Galvão e o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), entrevistou 800 homens e 400 mulheres em todo o país. Foi constatado que só dois em cada 10 admitem que agrediram a atual ou ex-parceira. A maioria deles entende que a Lei Maria da Penha contribuiu para a redução da violência, enquanto 16% reconhecem que bater em mulher pode ser errado, mas não deveria ser crime, e 23% entendem que a lei estimula o desrespeito delas aos homens. E o respeito à mulher, como fica?

Em 49% dos homens com 60 anos ou mais e 41% com o ensino fundamental, a lei interfere na relação privada do casal. Entre os homens, só 5% reconhecem que praticaram assédio, embora 45% das mulheres tenham denunciado que tiveram o corpo tocado em local público, sem que tenham consentido.

Em todas as situações, está evidente que o machismo e a violência, nas suas mais diferentes formas de externalidade precisam ser combatidos. As mudanças na sociedade não se dão apenas com a aprovação de leis. O respeito às mulheres, a equidade de gênero e a transformação das formas relacionamento exigem acato e reconhecimento das diferenças. Tais valores civilizatórios capazes de alterar o perfil violento da sociedade dependem muito da formação educacional dos indivíduos, desde do ambiente doméstico até a escola. Sem educação e boa formação, fica difícil sair do patamar da truculência e elevar o nível da política no país.

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