Não há que se questionar o fato de os profissionais de saúde, que atuaram de forma quase que heroica no combate à pandemia de covid-19, muitas vezes com a própria vida — 115 mil trabalhadores da área de saúde perderam a batalha para o coronavírus — merecerem não apenas o reconhecimento em homenagens, mas também salários dignos e que proporcionem o mínimo de qualidade de vida. O estabelecimento de um mínimo salarial é uma luta histórica que este ano, com a corrida eleitoral, foi finalmente votado, aprovado e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), dando aos profissionais de enfermagem o direito a um piso salarial, que abrange setores público e privado.
Nos hospitais e clínicas particulares o ajuste se dará pelas regras do mercado, com uma remuneração maior exigindo mais qualificação dos profissionais (em muitos casos já existente), mas no setor público e na rede do Sistema Único de Saúde (SUS) o estabelecimento de um gasto sem a fixação de uma fonte de receita coloca no cenário o risco de demissões e redução na prestação do serviço com prejuízo para a população. Foi com a apreensão de quem vai ter que honrar pagamentos atribuídos de cima para baixo sem ser consultado que os prefeitos alertam para o risco de que 35 milhões de brasileiros fiquem sem assistência à saúde e os municípios não tenham como suportar um gasto adicional de R$ 10,5 bilhões ao ano, nas contas da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Não só os prefeitos alertam para os impactos, mas também hospitais e clínicas da rede privada que atendem pelo SUS questionam o piso. A Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços de Saúde (CNSaúde) ingressou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade da Lei 14.434, de 2002, e o ministro Luís Roberto Barroso concedeu liminar suspendendo o pagamento fixado por 60 dias e iniciando diálogo com as partes para que se encontrem um caminho para viabilizar a justa reivindicação dos trabalhadores dentro do quadro de defasagem no orçamento do SUS. A liminar, levada a plenário virtual, já recebeu oito votos, sendo cinco pela suspensão e três pela manutenção do piso, indicando que até sexta-feira a liminar do ministro Barroso será confirmada pelos outros ministros da corte.
A mesma questão ocorreu no primeiro semestre, com o reajuste de 33% do piso para professores do magistério público da educação básica, coberto pelos recursos do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Novo Fundeb), gerando apreensão nos municípios num primeiro momento, mas pacificado em outro com o aumento dos recursos do Novo Fundeb. No caso do piso da enfermagem, os profissionais se mobilizam para assegurar que enfermeiros recebam no mínimo R$ 4.750 por mês, com técnicos de enfermagem recebendo R$ 3.325 e auxiliares de enfermagem e parteiras pelo menos R$ 2.375 (pouco menos de dois salários mínimos).
É preciso encontrar um caminho para que se faça justiça com os profissionais da enfermagem sem que se estrangule o orçamento das cidades e sobretudo haja redução e precarização dos serviços prestados às populações de mais baixa renda. Enquanto muitos se dividem em condenar ou aprovar a decisão temporária do STF, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reagiu de forma ponderada, indicando um caminho para a solução do problema. "Com diálogo, respeito e inteligência, daremos rápida solução a isso", disse ele após a liminar do ministro Barroso. Um bom começo pode ser reajustar a tabela de procedimentos do SUS, o que não é feito há 20 anos. Dessa forma, assim como na educação, recursos orçamentários da saúde darão suporte ao piso da enfermagem, cujas despesas adicionais estão bem abaixo dos R$ 16 bilhões de emendas do orçamento secreto ou dos gastos com PECs dos auxílios, perto de R$ 50 bilhões. O que se espera é responsabilidade do governo federal em assegurar os recursos a saúde.
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