Sacha Calmon - Advogado
O poder russo estende-se até as ilhas acima do Japão. A posição mais forte da Rússia está fora do campo de batalha. O bloqueio do Mar Negro é crucial para a economia ucraniana com repercussões mundiais (aumentos do preço dos alimentos). O bombardeio da infraestrutura ucraniana e, nas últimas semanas, os ataques a um shopping center, um resort e vários prédios de apartamentos têm como objetivo abalar o moral do país. A crise fiscal da Ucrânia está se agravando por causa do colapso da atividade econômica, da queda vertiginosa das receitas tributárias e da perda da entrada de moeda forte com as exportações de aço e grãos. O Banco Central ucraniano queimou 9,3% de suas reservas internacionais apenas em junho.
Oleg Ustenko, assessor econômico de Zelensky, diz que o país precisa agora de US$ 9 bilhões por mês do Ocidente para cobrir seu deficit público. Anteriormente, Kiev havia solicitado algo entre US$ 5 bilhões e US$ 6 bilhões. "Sem o apoio financeiro de nossos aliados, não será apenas difícil cobrir esse deficit, será impossível", acrescenta Ustenko.
Os EUA desembolsaram US$ 4 bilhões em ajuda econômica a Kiev e esperam distribuir outros US$ 6,2 bilhões até setembro. A União Europeia juntou apenas 1 bilhão dos 9 bilhões de euros prometidos em abril, em meio a disputas sobre se deveria fornecer subsídios ou empréstimos.
Enquanto isso, a Rússia estrangulou a Europa ao reduzir o fornecimento de gás no verão europeu e ameaça interromper completamente o fornecimento, o que aumentaria as contas das famílias e poderia fechar setores do continente que dependem muito da energia, se houver problemas de fornecimento no inverno.
"A guerra híbrida da Rússia aumentou e perdemos isso de vista", afirma um consultor de defesa ocidental. "Se a ofensiva russa em terra tiver uma pausa neste verão, ou mesmo passar para a defensiva, tudo bem do ponto de vista de Moscou. Enquanto isso, sua guerra híbrida e econômica poderá ser intensificada."
Autoridades ucranianas afirmam que Putin está contando com o problema da inflação e da falta de gás para forçar as capitais europeias a pressionar a Ucrânia a terminar a guerra em termos favoráveis a Moscou. O líder russo poderá subestimar a determinação ocidental, do mesmo modo que também assumiu que o Ocidente não sairia em apoio à Ucrânia após fevereiro. Essa guerra, ao cabo, é um fracasso da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Se olharmos com nitidez o que ocorre na Ucrânia, veremos que o Ocidente, os Estados Unidos (EUA) à frente, está lutando e já custou US$ 8 bilhões, contra a Rússia, por intermédio dos ucranianos. Eles são lutadores de aluguel.
No indo-pacífico, objeto de análise em artigo anterior desta coluna, vimos que a afirmação do poder chinês na região é inevitável. E, nesse quadro, a amizade sino-russa é o novo fator da política internacional no coração do mundo, ou seja, a euroásia. Potência atômica e espacial (hoje não se chega nem se sai da estação espacial internacional senão em naves de acoplamento russas), a Rússia compete em ogivas atômicas com os EUA, hegemônico desde a 2ª guerra mundial, com o grande Roosevelt (1932 a 1945).
Seja lá como for, pelo menos três grandes potências disputam a geopolítica do século e são EUA, Rússia e China continental. O encolhimento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URRS) resultou no fortalecimento da Rússia, Bielorrússia e Cazaquistão. A Europa Ocidental é democrática, mas não tem poder. No mundo após a descolonização da África e de parte da Ásia, forma, caudatária, junto com os EUA, um poder ainda grande, mas não absoluto como no passado. Observamos que Londres e Paris são potencias médias, essa a verdade nua e crua que resulta da análise geopolítica do mundo atual.
Mas uma pergunta há que não quer calar. O que o presidente Bolsonaro foi fazer no encontro pessoal com Putin, às vésperas da invasão da Ucrânia? Assegurar o fornecimento de fertilizantes em troca da não condenação da Rússia não exigiria uma ida a Moscou nem um encontro pessoal. Uma resposta cabal ainda não foi dada a essa pergunta, que não se conforma com respostas vagas. Não há como acusar o presidente Bolsonaro de não prover o agronegócio com adubos e fertilizantes, tendo em vista sua cosmovisão, mormente a que acusa toda e qualquer pessoa que se coloque contrária a seus desígnios (o lado interno da política atual em nosso país).
Há quem diga não à essa interpretação. Para esses, Bolsonaro quis um aprendizado sobre o quanto pode um autocrata.... Mas cabe um comentário final. Na política, temos os que governam e a oposição; temos os colegas de partido e os adversários. Bolsonaro introduziu, na política, a noção de que a oposição é inimiga. Um raciocínio torto perante a democracia. Uma lógica de guerra em tempos de paz. É nosso dever sepultar essa lógica de guerra na política, palavra que vem da Polis grega (a arte de fazer o melhor para a cidade e seus cidadãos).
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