Maurício Antônio Lopes - Pesquisador da Embrapa Agroenergia
O mundo está experimentando um processo de transição demográfica com envelhecimento populacional, intensa urbanização e crescimento das taxas de mortalidade atribuíveis a males não transmissíveis, como doenças metabólicas crônicas, cardíacas, cerebrovasculares, pulmonares, além de múltiplas formas de câncer. Muitos associam o crescimento de tais doenças a alterações nos costumes e estilo de vida, que geralmente acompanham os processos de desenvolvimento econômico, mudanças demográficas e urbanização acelerada.
O pesquisador americano Barry Popkin desenvolveu um modelo, que denominou "transição nutricional", para explicar mudanças no padrão alimentar e nutricional ao longo da evolução da sociedade. Seu modelo descreve mudanças nos padrões de dieta desde quando humanos viviam da caça e da coleta de alimentos, até o surgimento da agricultura, cerca de 10 mil anos atrás, avanço que ajudou a minorar problemas de fome e desnutrição. Avanços adicionais ocorreram ao longo do último século, com a agricultura incorporando mais conhecimento e capacidade de produzir, com regularidade, maior diversidade de alimentos.
Um estágio mais recente dessa transição nutricional foi marcado pela chamada "ocidentalização das dietas", que teve início nos anos 1960, com aumento do consumo de gorduras, açúcares, adoçantes, carne, sal e alimentos altamente processados e pobres em fibras, mudança acompanhada por costumes e estilos de vida mais sedentários. De acordo com o modelo de Popkin, o sistema alimentar é no presente influenciado por uma sociedade mais informada e exigente, que busca prevenir ou retardar doenças degenerativas, priorizando dietas mais saudáveis e estilos de vida mais ativos.
A transição nutricional é um conceito dinâmico que descreve como dietas e qualidade de vida se alteram com mudanças econômicas. Tais transições não indicam períodos históricos, uma vez que diferentes fases podem ocorrer de forma concomitante em um mesmo tempo e lugar. É comum se detectar em um mesmo país indivíduos de diferentes classes sociais experimentando diferentes fases da transição nutricional. O conceito deve, portanto, ser visto como orientador e não como indicador preciso do que ocorre no mundo real, que é marcado por transições sobrepostas na economia, meio ambiente, costumes e renda, com repercussões em alimentação, nutrição e saúde.
Ainda assim, estudar transições nutricionais e estimar mudanças na demanda por alimentos é uma necessidade crítica nas análises globais de segurança alimentar. É pouco provável que venhamos a experimentar convergência para poucos tipos de dieta, uma vez que nem a globalização, que agora perde força, conseguiu fazê-lo. Mas governos estão cada vez mais pressionados pelos males associados a dietas inadequadas e já introduzem políticas e regulamentos promotores da saúde e do bem-estar, que poderão ter grandes repercussões no sistema alimentar no futuro.
Análises dos impactos possíveis de tais mudanças são ainda escassas. O estudo Transição nutricional e a estrutura da demanda global de alimentos", publicado pela revista americana Economia Agrícola (Vol. 101:383, 2019), projetou possíveis alterações no padrão de consumo e dietas em função de mudanças demográficas e econômicas esperadas nas próximas décadas. O estudo antecipa, no horizonte de 2050, redução na demanda por alimentos amiláceos ou energéticos — como arroz, milho e trigo, e maior procura por proteínas de origem animal, óleos, adoçantes, frutas e hortaliças.
Considerando cenários alternativos de mudanças na população e na economia, aumentos na demanda por calorias de origem animal são estimados entre 74% e 114%, em âmbito global. Tendência que poderá se alterar, uma vez que as estimativas avaliam mudanças nas dietas em função da renda, não capturando impactos das crescentes preocupações dos consumidores com saúde, bem-estar animal e meio ambiente. Preocupações em grande medida refletidas no crescimento não apenas no número de vegetarianos e veganos, mas também de flexitarianos — aqueles que priorizam alimentos de origem vegetal, consumindo proteína animal com moderação.
Outra estimativa importante desse estudo é o aumento de 47% na demanda por alimentos entre 2010 e 2050, o que representa menos da metade do crescimento experimentado nas quatro décadas anteriores. Antecipa-se que esse crescimento ocorrerá principalmente nos países em desenvolvimento, pois países de alta renda já registram elevados níveis de consumo per capita, além de tenderem a crescimento populacional baixo nas próximas décadas. Além disso, a mobilização global contra o desperdício, que hoje leva para o lixo até 30% do alimento produzido, tenderá também a reduzir a demanda no futuro.
Portanto, crescimento econômico, dinâmica populacional e preocupações com saúde e qualidade de vida, meio ambiente e bem-estar animal serão importantes motores das transformações nos sistemas alimentares, com impactos significativos nos padrões de produção e consumo em todo o mundo. O Brasil, que consolidou liderança na produção, a custos competitivos, de grandes volumes de commodities alimentares, precisará se concentrar mais em diversificar, especializar e agregar valor à sua produção. Condição para atender bem à nossa população e para competir pelos mercados mais complexos e sofisticados que emergirão no futuro.
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