UBIRATAN SANDERSON - Deputado federal, é vice-líder de governo na Câmara dos Deputados
Mudanças nas leis e adaptação das normas à nova realidade são processos naturais de qualquer Estado — ou, pelo menos, deveriam ser. Ter uma visão imobilizada e paralisada impede o pleno desenvolvimento da sociedade e nos prende à lógica do atraso. Terceiro presidente dos Estados Unidos e principal autor da Declaração de Independência daquele país, Thomas Jefferson (1743-1826) escreveu: "As leis e as instituições devem andar de mãos dadas com o progresso da mente humana. À medida que ela se torna mais desenvolvida, mais esclarecida, à medida que novas descobertas são feitas, novas verdades descobertas e modos e opiniões mudam, com a mudança das circunstâncias, as instituições devem avançar também para acompanhar os tempos".
Essa frase, gravada no Jefferson Memorial, em Washington (EUA), mostra a importância de um país ter leis dinâmicas que acompanham os tempos. Será possível viver em um Estado regido por leis construídas décadas atrás? Seria possível o sistema financeiro brasileiro, com as fintechs e bancos cada vez mais tecnológicos, estar preso às regras dos anos 1970?
A imutabilidade é destrutiva para toda sociedade e afoga a energia da economia. O transporte fretado de passageiros no Brasil é um exemplo claro disso. Apesar de todos os esforços de setores da sociedade para estimular o crescimento desse setor, há ainda um movimento reacionário de manter a lógica atual por meio de regras, normas e legislações que há muito se tornaram arcaicas, e estão prejudicando mais de 15 milhões de brasileiros que já usam esse modal rodoviário.
O país tem hoje mais de 20 mil empresas de fretamento de ônibus, a maioria pequenas e médias, mas com alta capacidade de dinamismo tecnológico ao se aliarem às startups de aplicativos. Para prevalecer, no entanto, os fretadores têm travado uma batalha hercúlea para exercer seu direito de oferecer um serviço mais moderno e acessível à população. O setor de transportes ainda é regido pela regra de circuito fechado, de 1998, que obriga que o mesmo grupo de passageiros seja transportado na ida e na volta de uma viagem pelo mesmo ônibus. Uma regra anacrônica, de 24 anos, feita em uma época em que nem havia aplicativos e a internet ainda engatinhava. Hoje, o circuito fechado só existe para fechar o mercado, blindar as grandes viações e dificultar a entrada dos novos concorrentes.
O descompasso entre o que deseja a sociedade e o que impõem as instituições é provado em números. Recente pesquisa do Instituto Quaest mostrou que 88% dos brasileiros desejam alteração nas leis para que mais empresas ingressem no mercado, oferecendo alternativas aos viajantes. Além disso, 59% também afirmaram serem favoráveis à revisão do circuito fechado. E por que desejam mudanças? Porque o fretamento, possibilitado graças à facilidade da tecnologia, barateou custos. Levantamento da CheckMyBus, plataforma de pesquisa de preços presente em 80 países, concluiu que o valor médio dos bilhetes no Brasil caiu até 61% nos últimos dois anos.
Já a LCA Consultores estimou que a redução na média do preço das passagens de ônibus pode chegar a 20% com o fim do circuito fechado graças ao aumento da concorrência e competição: aumento de 7,85 milhões no número de passageiros transportados nos ônibus anualmente no Brasil. A abertura do mercado, ainda de acordo com a LCA, geraria um aumento de até R$ 2,7 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) do nosso país, gerando mais 63,5 mil novos empregos e ampliando a arrecadação de tributos em R$ 462,8 milhões.
A modernização do marco regulatório no setor de transporte rodoviário de passageiros é urgente. Já há na Câmara dos Deputados projetos em tramitação para combater o circuito fechado. Um deles é o Projeto de Decreto Legislativo 69/2020, que revoga portaria da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que criminaliza o transporte fretado de passageiros.
A disputa explicitada no texto acima, entre as grandes viações e a inovação dos fretadores aliados aos aplicativos, é exemplo claro do que Thomas Jefferson quis chamar a atenção na carta que escreveu a Samuel Kercheval, em 12 de julho de 1816. Parece, infelizmente, que, no Brasil, mais de 200 anos depois, não entendemos ainda o recado.
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