BENITO SALOMÃO - Economista chefe Gladius Research, doutor em economia pelo PPGE-UFUk
Recentemente, altas nas taxas básicas de juros ocorreram no Brasil, Zona do Euro e nos Estados Unidos (EUA). As elevações já eram esperadas pelas projeções e não houve surpresa. Na última década, os bancos centrais (BCs) de países desenvolvidos apelaram para políticas monetárias expansionistas como resposta à crise do subprime. Tais movimentos caracterizados pela expansão dos Quantitative Easing, além das reduções das taxas de juros foram denominadas na literatura como Zero Lower Bounds foram úteis para afastar o risco da deflação.
De um ano para cá, já diante dos efeitos da pandemia sobre muitas cadeias de suprimentos, a inflação acelerou em parte das economias, sem que o desemprego tenha convergido para as taxas naturais de longo prazo. Os BCs se viram diante de um difícil dilema, dar início a uma contração monetária visando segurar a inflação, ou manter os estímulos buscando não interromper a recuperação do PIB.
Em modelos macroeconômicos de gerações anteriores, as funções de reação dos BCs se estruturavam para perseguir um duplo mandato. As regras de política monetária olhavam para desvios da inflação da meta e para o hiato do produto. O que variava nessas funções eram os parâmetros, uns BCs davam maior peso à inflação, enquanto outros priorizavam o PIB. Porém, afetar o produto nem sempre é tarefa factível aos BCs, isso dependerá do formato da curva de Phillips (CPh).
Em modelos caracterizados por expectativas adaptativas (Friedman 1968), a CPh é inclinada e os preços são fixados partindo da inflação passada e ganhos em termos de PIB são possíveis a curto prazo, mas não podem ser sistemáticos a longo prazo, já que a cada rodada de política monetária as firmas incorporam nos seus preços a inflação anterior. Já em modelos calcados na hipótese das expectativas racionais (Lucas e Rapping 1969), a CPh torna-se vertical após choques monetários discricionários. Portanto, após uma primeira surpresa visando ganhos no PIB, os BCs perdem sua reputação e todo estímulo monetário passa a causar inflação.
Resumindo, a política monetária é eficiente como âncora para a inflação, mas é inócua, a longo prazo, para afetar o lado real da economia. Isso porque em economias cujas expectativas definem o comportamento da inflação, os BCs têm que lidar com o problema da inconsistência dinâmica da política monetária (Kydland e Prescott 1977) e devem preservar sua credibilidade.
A reputação dos BCs a longo prazo depende de um histórico de desvios mínimos da inflação em relação à sua meta. Em jogos sequenciais entre o BC e as firmas, quanto mais rodadas o BC cumpre a meta, mais sólida torna a sua reputação e mais crível e eficaz se torna a política monetária.
Quando a política monetária é crível, a resposta em termos de contrações monetárias para guiar a inflação para a meta é menor se comparada aos casos em que o BC não é crível. Isso impacta também o PIB, pois BCs críveis podem usar medidas não contracionistas como forward guidance para conter o ímpeto inflacionário das firmas. No jargão militar, BCs críveis usam seu "poder de dissuasão" para frear os preços.
Após a crise do subprime, os BCs incorporaram, de forma implícita ou formal, em suas funções de reação, os preços de ativos financeiros nos stocks e bounds markets. Isso sobrecarregou a política monetária que passou a perseguir um triplo mandato, além dos dois objetivos supracitados, visa também a estabilizar preços de ativos nos mercados de capitais. Eis o motivo pelo qual os BCs andaram tanto tempo atrás da curva. Há uma preocupação com a depreciação de ativos financeiros e o mergulho das economias noutra recessão.
Calibrar a política monetária neste contexto não é trivial e, aparentemente, os BCs não serão capazes de alcançar três objetivos municiados apenas com as taxas de juros de curto prazo. De imediato, tanto o BCB, quanto o EBC e o FED parecem ter abdicado da estabilidade inflacionária em benefício dos outros objetivos. Resta saber por quanto tempo irá funcionar. Como dito, perseguir metas de PIB depende do formato da CPh que por sua vez está atrelada à reputação prévia.
Quanto aos preços dos ativos, Shiller (2014) aponta uma tendência mais recente de descolamento entre a curva de juros de curto prazo e o preço dos ativos. Isso porque a demanda e o preço desses ativos dependem, ceteris paribus, de informações implícitas que influenciam a psicologia social. Os BCs estão expostos a um trilema e estão tentando calibrar a política monetária de forma a minorar os custos. Está claro, no entanto, que enfrentar esse trilema munidos exclusivamente da taxa de juros será uma missão inglória aos BCs.