ELEIÇÕES 2022

Artigo: Barrados no baile

RENATHO MELO - Diretor-Executivo do Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop)

Foi dada a largada oficial da corrida para as eleições deste ano. Até o momento, passado o primeiro semestre de 2022, quase todas as emendas individuais e coletivas constitucionalmente impositivas já foram executadas. Quando o recorte são as emendas do relator, também conhecidas por orçamento secreto, o empenho já ultrapassa os R$ 8 bilhões.

Não há, a princípio, nenhum impeditivo para a destinação desses recursos. Porém, há regras específicas que poderão levar os esforços feitos pelos parlamentares por água abaixo quando da celebração dos convênios. Um estudo elaborado pelo Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop) identificou que, dos 4.886 municípios brasileiros com até 50 mil habitantes, 33,5% estão inadimplentes com a certidão previdenciária.

Para ilustrar também casos com cidades maiores, acima de 50 mil habitantes, salta aos olhos o fato de que no Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Rio Grande do Norte, Roraima e Tocantins, nenhuma cidade, na presente data, está apta para celebração de instrumento de repasses de recursos com a União.

No estado de São Paulo, onde há 123 municípios com mais de 50 mil habitantes, 94 têm pelo menos um impedimento para recebimento de repasse de transferências voluntárias do governo central. No baile das emendas deste ano, apesar do convite, muitos já estão barrados na porta. Em um Brasil repleto de carências em suas políticas públicas, o custo de oportunidade com o desperdício dessas indicações que nunca passarão de gestos políticos é muito alto e torna imperativo o debate sobre a qualidade das indicações parlamentares. Não basta a demonstração de pulverização nacional nas indicações do Congresso, é urgente que se levante dados de avaliação da qualidade da entrega desses recursos que andam pelas casas dos bilhões.

Apesar de a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano garantir que cidades com até 50 mil habitantes celebrem convênios mesmo inadimplentes no Cauc, uma espécie de SPC/Serasa dos municípios, existem ressalvas constitucionais: adimplência com a previdência social, regularidade no pagamento de precatórios judiciais e a adequação dos índices das despesas com pessoal, ressalvadas ações nas áreas de educação, saúde e assistência social. Dos R$ 16,5 bilhões das emendas do relator-geral do Orçamento, 40%, necessariamente, só sairão definitivamente do papel e vão se tornar asfalto, praça, parques e equipamentos, se os entes beneficiados estiverem aptos para celebração dos instrumentos de repasse oriundos destes recursos.

Por não possuírem caráter constitucional impositivo, a exemplo das emendas individuais, as emendas de relator geral seguem caminho normativo comum, assemelhado com outras transferências voluntárias da União onde se exige maior cumprimento de requisitos para sua efetivação. Alguns poderão, ainda neste ano, alcançar a situação de regularidade e, assim, garantir os repasses. Outros tantos entrarão na fila do judiciário no final do ano na tentativa de celebrar os instrumentos por determinação judicial, porém, dificilmente será revertida a realidade de que recursos serão perdidos.

Em última análise, é importante destacar a sabedoria da Constituição Federal em exigir tais regularidades, uma espécie de controle prévio, uma contrapartida objetiva de avaliação meritória das gestões subnacionais e seus compromissos com a saúde fiscal das contas públicas. Por vezes, gestores recém-eleitos recebem de herança a máquina pública com graves problemas de regularidade no CNPJ da administração. Nesses casos, há que trabalhar com afinco na busca das soluções. No caso do relacionamento com o governo central, negligenciar a solução dos problemas implica necessariamente perder oportunidades de participação na fatia cada vez maior de recursos geridos pelos congressistas.

Não é segredo para ninguém que a preferência política orçamentária do Congresso Nacional se materializa nas indicações a cidades, dado que a experiência parlamentar é, na maioria das vezes, norteada por atividades de relacionamento com municípios, onde naturalmente moram os eleitores. É comum em Brasília a expressão de que "ninguém mora no estado ou na União". No baile das transferências voluntárias da União, a responsabilidade com a gestão previdenciária, o compromisso com a coisa julgada e bom equilíbrio da folha de pagamento dos servidores públicos são os requisitos mínimos para obtenção do ingresso e o respeito ao dinheiro cidadão contribuinte é a dança. Quem vai entrar?

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