JAIME DA ROSA SANTOS - Advogado, assessor jurídico aposentado da Advocacia Geral da União (AGU), músico e carnavalesco
Ao ingressar na escola, todas as crianças têm por desígnio estruturarem um futuro seguro e tenaz. Para que esse futuro seja certo e firme, é necessário, sem dúvida, que o passado tenha sido pavimentado com a matéria-prima da história. Por óbvio, que no ensino formal a disciplina de história integra o currículo escolar. Até aí, nada que nos possa causar qualquer tipo de singularidade. No entanto, há que destacar algumas ausências fundamentais para a digna formação cultural da criança negra brasileira.
Ora, em que pese o número significativo de crianças negras nas escolas públicas brasileiras, não há contrapartida de conteúdo que lhes façam ser reconhecidas como integrantes dessa narrativa e, principalmente, como ativista da própria formação. E o que significa isso? Significa que não há identificação com o ambiente, com a estrutura, tampouco com o estímulo que deveria, obrigatoriamente haver, no sentido de mostrar que a criança negra tem todos os ingredientes para se entender capaz de compor a sociedade brasileira no setor que melhor lhe aprouver.
Mas o que está ausente nesse perverso sistema, que me leva a essa crítica? Como uma das respostas possíveis, aponho a inexistência de identificação própria, qual seja: a criança negra, no Brasil, não recebe narrativas sobre sua verdadeira origem, sua identidade pregressa, sua antecedência fidedigna. A ela é negado saber a realidade, ou seja o conhecimento da própria ancestralidade.
Mais: ao adentrarem a sala de aula, não enxergam professores negros, e essa ausência, faz quedar-se o verdadeiro testemunho da sua existência, pois não se veem como igual, não se veem como parte integrante desta sociedade, partícipe da transmissão de conhecimentos e cultura. Tamanha é essa privação que quando as crianças, sem importar a origem, deparam-se com um educador negro, deparam-se também com a desconfiança e enorme pasmo, a ponto de causar-lhes insegurança e incertezas. Destarte, incansável é, e sempre será, nosso embate contra essa violência.
Por isso, há que preparar a criança negra para contar a própria história e "invadir" essa seara na qual lhe é negado, historicamente, o ingresso, para que reflita a imagem contraditada. Queremos enxergar e sermos enxergados. Eis que continuamos a escrever nossa própria história sem amuletos, figas ou talismãs. Enxergar-se é mister. Oxalá, esses novos tempos permitam o moratório do 13 de Maio.
Lembro eu dos idos tempos da década de 1960, quando ingressei na escola, à época denominada grupo escolar, no ensino primário. Era meu inesquecível Grupo Escolar Professor Otávio de Souza ainda existente na minha amada Porto Alegre. Por orientação dos meus pais, deveria dedicar-me, como único instrumento viável para alcançar a franquia da vida e proporcionar aos meus descendentes a alforria social ambicionada. E seguindo essa orientação paternal, nunca olvidei de empreender diligência em busca desse pódio, consequentemente, como diz o aforismo quem procura acha, atingi inúmeras vitórias.
Quando não há igualdade na raiz, por natural que não haverá igualdade no fruto. Eis que liberdade em sua essência é sinônimo de igualdade. O lema da Revolução Francesa - "Liberté, Egalité, Fraternité" comunica a ideia da vida próspera. No entanto, às crianças negras, no Brasil, não foi oferecida essa máxima, simplesmente porque "igualdade" só haverá quando as oportunidades forem as mesmas desde a raiz. Repetidamente indago onde está a igualdade de oportunidades às crianças negras?
Mister é voltar no tempo mais uma vez e inquirir da própria vida o motivo do encobrir da capacitação dessas crianças aquilo que, por certo, seria ou ainda será, ou poderá ser o único ensejo a encaminhar-lhe pela estrada da igualdade. Como rematação indico a todos os cidadãos que repensem o caminho percorrido até aqui e coloquem em revisão cada ato ou atitude promovida por si e decida se houve correção ao longo da sua existência sob o aspecto de resgatar a falta de oportunidade ofertada às crianças.
Por oportuno, não posso deixar em descuido a eterna imposição a nós feita, quando nos revoltamos contra os dardos atirados em nossa direção e os rechaçamos, momento esse em que somos classificados como vitimistas. Procuram fazer parecer que somos os culpados do racismo e que pregamos o racismo reverso.