DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR - Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria, ex-presidente do Global Pediatric Education Consortium (Gpec) Email: dicamposjr@gmail.com
As novas gerações têm sido vítimas das tecnologias de comunicação, entre outras. Com efeito, seres humanos na infância são alvo das grandes empresas que neles investem com o único intuito de expansão industrial e pecuniária.
Não há dúvida de que as tecnologias possuem potencial progressista, desde que devidamente utilizadas em favor da educação, saúde, interação humana igualitária e compromisso com o núcleo familiar respeitoso e construtivo. Contudo, todos esses valores humanistas são insignificantes para quem prioriza a riqueza material em desfavor dos princípios do modelo de civilização.
Na verdade, a riqueza não deve ser entendida como acúmulo pecuniário, mas, sobretudo, como uma vida digna para todos e cada um. Essa é a base moral e ética que há de ser cultivada em favor da humanidade, cujas novas gerações requerem cuidados especiais e prioritários para seu crescimento e desenvolvimento em consonância com o potencial cognitivo que as caracteriza.
Quanto mais avança a imposição tecnológica aos seres humanos, a civilização é degradada em benefício de empresas cuja única meta é o progresso econômico-financeiro. Não faltam exemplos desse progresso tecnológico questionável que afeta, de forma mais nociva, o núcleo infantil da sociedade, faixa etária em que cresce e se diferencia o cérebro como sede da personalidade do ser humano. Como está suficientemente demonstrado, a amamentação é um conjunto de funções maternas, das quais desfruta o bebê quando amamentado. A nutrição adequada é uma delas porque o leite materno é o da espécie humana, com a qualidade nutricional incomparável para esta faixa etária.
Além disso, o lactente é amamentado no aconchego do colo da mãe, com a qual se relaciona calorosamente, trocando olhares que vêm de ambas as almas. O contato pele a pele é estímulo incomparável para o desenvolvimento da criança. A amamentação é, pois, uma prática natural desde a origem da espécie, devendo ser vista como direito da mãe e do seu bebê. Há de ser estimulada e protegida, não substituída. Infelizmente, as empresas já constroem o que levará à produção, propaganda e venda do leite materno em pó. Os bebês perderão assim um direito fundamental que não lhes poderia ser negado. Será o fim da amamentação materna verdadeira, com as consequências nocivas que causará sobre o crescimento e desenvolvimento do lactente.
Ademais, as mudanças no padrão de vida social, comandadas pelas empresas, dão fundamento econômico à redução da fecundidade. Assim, o chamado progresso tecnológico comprometeu radicalmente a taxa de fecundidade da mulher, como número de filhos na idade fértil, por meio de medicamentos e dispositivos contraceptivos. A taxa do Brasil de 1,6 por mulher está abaixo da mundial, que é de 2,5. Portanto, a prevalecer essa estratégia, as novas gerações não serão capazes de renovar as populações. É hoje um dos maiores dilemas que desafiam a humanidade.
Outro exemplo é o telefone celular, instrumento tecnológico que rapidamente já se apoderou dos seres humanos. Possui um potencial comunicativo de abrangente qualidade. Porém, tem sido usado de forma abusiva, sem considerar os riscos a que os usuários são expostos. As crianças são, talvez, as maiores vítimas desse instrumento que produz efeitos colaterais a serem divulgados para a sociedade, em defesa da sua infância. De fato, além de permanecerem, horas a fio, expostas à tela do celular, e também do computador, são contaminadas pelas imagens e conteúdos jamais destinados a essa faixa etária.
Por seu lado, está comprovado que a frequência da miopia aumentou porque o globo ocular das crianças está na fase de formação e sofre danos produzidos pelo uso indevido desses equipamentos tecnológicos. Além disso, a miopia é uma das causas de baixo desempenho escolar da criança.
Nesse escravizante império, é cada vez mais raro o cenário humano de um bebê no colo da mãe, no qual desfruta do amor materno essencial à formação saudável e afetuosa. A maioria dos infantes já vive num carrinho planejado, produzido e vendido pelas empresas. São perfeitos, mas afastam a criança da mãe que, muitas vezes, está ao lado desse equipamento conversando no celular sem dedicar-se ao cuidado materno. Um carrinho não é o carinho do colo materno e não deveria substituí-lo.
Os exemplos acima abordados são claras evidências de que a infância das novas gerações será degenerada pelas empresas que comandam o império atual. Com a criança escrava da tecnologia, a humanidade não terá futuro.