Caro imperador Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, já se passaram quase dois séculos desde que seu coração parou de bater, depois que uma tuberculose tomou-lhe a vida, aos 35 anos, no Palácio Real de Queluz, em Sintra (Portugal). Conservado em formol, ele foi colocado dentro de um avião da Força Aérea Brasileira e "viajou" até Brasília para ser o foco das atenções do Bicentenário da Independência. Não sei o que o senhor pensaria a respeito disso, mas tiraram o seu órgão vital para ser exposto a brasileiros no Palácio do Itamaraty. Talvez o senhor não acredite, mas seu coração foi recebido com honras de chefe de Estado. Há quem diga que todo esse circo montado pelo governo seja uma ofensa à sua memória.
Senhor Dom Pedro I, em pouco mais de um mês teremos eleições no Brasil. O atual presidente se firma no patriotismo para se sustentar no poder. E no aceno com os militares. Daí que muita gente acha que essa vinda de seu coração ao Brasil tenha uso político. Mais do que homenagear o senhor, o objetivo seria conseguir mais votos e evitar uma derrota anunciada por todas as pesquisas. Seu grito de independência, ecoado naquele 7 de setembro de 1822, nos livrou do jugo de Portugal. Mas ainda estamos longe de sermos um povo independente em vários aspectos. Infelizmente, voltamos a ficar reféns da fome. São milhões de brasileiros sem terem o que comer em casa. A insegurança alimentar surrupia a dignidade e lança muitos na incerteza e no medo.
Cerca de um terço da população brasileira está dependente de um discurso que insiste em afirmar o risco de o comunismo (?) dominar o Brasil. Se o senhor estivesse vivo, Dom Pedro I, com certeza saberia que o Brasil nunca foi comunista. E que o tal comunismo, bicho-papão do presidente, não passa de ferramenta ideológica de manipulação em troca de perpetuação no poder. O senhor também ficaria espantado sobre como a religião se tornou acessório político. Falam que Deus está acima de todos, mas idolatram as armas.
Em duas semanas, o Brasil celebrará 200 anos desde que o senhor declarou a independência em relação a Portugal. O bicentenário ocorrerá em clima de tensão. Há quem acredite que o presidente aproveitará para atacar o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. Seria uma afronta absoluta à democracia e mais um desrespeito à sua memória, Dom Pedro I. Na condição de cidadão brasileiro, peço-lhe desculpas por terem retirado o seu órgão do sarcófago da Capela Mor da Igreja da Lapa, no Porto, onde o senhor mesmo tinha pedido que ficasse. Ah! Um lembrete. Seus restos mortais estão sepultados no Monumento à Independência, em São Paulo. Daí a constatação de que, se o senhor já está aqui, não haveria porque trazer seu coração para cá.