A pouco mais de um mês das eleições presidenciais, o Palácio do Planalto convocou o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Erik Alencar Figueiredo, para tentar combater o óbvio: que o Brasil voltou ao mapa da fome e milhões de famílias vivem em insegurança alimentar. De posse de dados sem base técnica, ele apresentou um estudo que não teve o endosso da maior parte dos servidores do instituto, sempre visto como referência no debate econômico do país.
O argumento de Figueiredo, que foi subsecretário de Política Fiscal do Ministério da Economia, é de que o aumento da fome deveria ter resultado em um choque expressivo de internações por doenças decorrentes da desnutrição e um número maior de nascimentos de crianças com baixo peso. Para ele, que é economista, se o avanço da insegurança alimentar e da desnutrição não tem impactado os indicadores de saúde ligados à prevalência da fome, há que se contestar a literatura especializada.
A proximidade das eleições pode até justificar tal posição, contudo, não há como contestar a realidade das ruas e o bom senso. Basta uma simples pesquisa para se constatar como os brasileiros estão tendo dificuldades para levar comida à mesa. A miséria está em todas as esquinas das grandes cidades, nas periferias e mesmo em municípios menores. O desemprego elevado por um longo período, a inflação próxima de 10% ao ano, os juros escorchantes e a renda em queda afligem mais da metade dos lares do país.
Não foi por acaso que o governo correu para ampliar o valor do Auxílio Brasil, de R$ 400 para R$ 600, meses antes de os eleitores cravarem os votos nas urnas eletrônicas. Sabe-se que o aumento da miséria é um empecilho para qualquer governante que queira se manter no poder. O alívio com esse reajuste, porém, será temporário para os beneficiários do programa, pois, a despeito da redução dos preços dos combustíveis, medida que beneficia mais a classe média, a carestia dos alimentos se mantém.
A mesma literatura que o presidente do Ipea agora questiona, reforça que não há programa social que resista com inflação alta. O poder público, infelizmente, deixou o custo de vida subir sem tomar as medidas adequadas e só interveio quando as eleições efetivamente entraram no radar. Mais: pelo menos 1 milhão de pessoas sequer foram contempladas pelo Auxílio Brasil. Continuam à espera de um socorro que tão cedo não chegará. Assim como essas pessoas são invisíveis aos olhos daqueles que controlam os benefícios sociais, também dificilmente aparecem nas estatísticas das mortes pela miséria.
Em vez de ficar brigando com os fatos, não apenas o presidente do Ipea, mas todo o governo e os candidatos à Presidência da República devem apresentar programas contundentes para reverter as mazelas que destroem famílias. Num país em que a fome e a miséria estão escancaradas, é aviltante a disseminação de notícias falsas, a manipulação dos fatos e debates vazios. O Brasil da insegurança alimentar, daqueles que não sabem o que é comer há dias — como o menino de 11 anos que ligou para a polícia por estar faminto —, tem pressa. Os pobres merecem respeito e eles são 52% do eleitorado.