O processo eleitoral, em vez de trazer aos eleitores propostas para a reconstrução do país, deteriorado pela inflação, miséria, fome, desemprego e violência, acirra as expressões de intolerância—religiosa, gênero, raça, etnia, classe social e por aí vai. Estabelece conflitos descabidos, que resultam em desrespeito entre as pessoas. Nada faz sentido. Porém, revela o quanto estão desumanizados alguns segmentos que pensam e agem com base na pauta costumes conservadores, pelos quais alguns, em razão da condição socioeconômica, se sentem superiores aos outros.
Essas deformidades estão incrustradas nas agendas eleitorais, que não contemplam valores humanitários nem civilizatórios compatíveis com o século 21 nem com os avanços conquistados pelas diferentes sociedades. Pelo contrário, as diferenças se tornam pretexto para mais violência entre grupos. Não à toa, crescem as taxas de feminicídio, agressões por racismo, homofobia, aporofobia e várias outras fobias desprovidas de lógica ou sentido.
Cotidianamente, esbarramos em episódios que demonstram, com muita clareza, o nosso atraso nas relações humanas. O recente relatório do Observatório Judaico mostrou o avanço do neonazismo no país, cujo alvo não são exclusivamente os judeus, mas também os povos indígenas, os negros e os LGBTQIA . Em 2019, a antropóloga Adriana Dias, reconhecida como especialista no tema, identificou mais de 300 células neonazistas no país, que aglutinam cerca de 5 mil pessoas. No início deste mês, um idólatra de Hitler foi preso em flagrante, na Biblioteca Mário Andrade, no bairro República (SP), após ofender duas mulheres e fazer um discurso homofóbico e racista.
Na última quarta-feira, o colega Rodrigo Craveiro escreveu um artigo sobre o comportamento de uma professora do colégio municipal de Posse, no extremo nordeste do estado de Goiás, que destilou o seu ódio e rotulou de "impuras" as relações homoafetivas. "Se quiser me chamar de homofóbica, pode chamar", desafiou a docente. Isso é muito grave, por se tratar de alguém que influencia a formação de jovens, alimentando a prática de horrores contra a afetividade entre pessoas do mesmo gênero, ao tempo em que dá provas de uma formação medíocre ao desconhecer os avanços científicos sobre gêneros. Provavelmente, nunca ouviu a lindíssima melodia de Milton Nascimento, Paula e Bebeto (1975), em parceira com Caetano Veloso, que traz o verso: "Qualquer maneira de amor vale a pena/Qualquer maneira de amor vale amar".
A visão canhestra da professora é mais elemento que reforça a estupidez dos intolerantes e impulsiona o avanço de comportamentos neonazistas no país. Reflete também no crescimento da violência contra os LGBT . Entre 2020 e 2021, os casos de homicídio doloso de gays aumentaram 7,2% (179 registros); de lesão corporal dolosa 35,2% (1.719) e o de estupro 88,4% (também 179 ocorrências), segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em junho último.
O processo eleitoral é um bom momento para refletirmos sobre esses retrocessos, que alimentam o ódio entre as pessoas, estimulam a violência, provocam mortes e não implicam melhoria da qualidade de vida da sociedade. Apenas causam danos emocionais, materiais e nos desfiguram como humanos. Precisamos avaliar os projetos para além dos aspectos econômicos, mas, sobretudo, no campo da educação, essencial à construção de algo melhor para todos, sem preconceitos, discriminação, racismo, intolerância e irracionalidades. É possível ter um país melhor.