O assassinato do lutador de jiu-jitsu Leandro Lo por Henrique Otavio Oliveira Velozo, tenente da Polícia Militar de São Paulo, é mais um caso a escancarar o clima de intolerância que tomou conta do país. Perdeu-se, por completo, o respeito à vida humana, e os intolerantes armados se acham no direito de, porque não foram com a cara de alguém, dar um tiro da cabeça do cidadão e interromper sonhos, planos, carreira e, sobretudo, destruir uma família. A pergunta que todos devem se fazer neste momento é: por que se chegou a tal estágio? Por que tanta complacência com aqueles que não respeitam o direito alheio?
O quadro se torna mais assustador porque esses intolerantes estão armados. No caso do policial, que deveria proteger vidas, a pistola usada para matar Leandro Lo era da PM paulista. Mas, nas ruas, nos condomínios, nos bares, nos restaurantes, nos shows, em clubes, há um exército de pessoas que não sabem o que é respeito e foram armadas pelo governo de plantão. Bastam se sentir contrariadas, não gostar de um olhar de alguém ou ficar incomodadas por uma palavra que não esperavam ouvir para sair matando. Esses seres desprezíveis acreditam que são donos do mundo e podem tudo.
O Brasil precisa acordar. Não pode naturalizar assassinatos como o do lutador de jiu-jitsu, que, em nenhum momento, agrediu o policial que o matou. Na autoridade que acha que tem, e se garantindo numa pistola carregada, Henrique Otavio Oliveira Velozo — é preciso que se repita o nome dele quantas vezes possível — se viu no direito de incomodar um grupo de amigos, do qual Leandro Lo fazia parte, sacudindo uma garrafa de uísque e encarando de forma desafiadora o lutador, que o imobilizou sem nenhuma violência. O tenente, cujo histórico é marcado por confusões, decidiu resolver à bala o assunto.
A sociedade brasileira, infelizmente, está apática diante de tanta violência. Ouve, sem nenhuma reação, autoridades dizendo que é preciso armar a população, quando o único objetivo desses políticos é montar um grupo para defender seus interesses caso as urnas lhes surrupiem os mandatos, como prevê a democracia. É verdade que a violência no Brasil não vem de hoje. Contudo, é assustador ver que matar por nada já não incomoda a maioria. Isso começou no Rio de Janeiro, onde tornou-se comum dizer ante um novo crime: foi só mais um. Agora, essa visão aterradora está consolidada em todo o país.
Onde foi que o Brasil errou? Por que o país se tornou tão tolerante com os intolerantes? Cadê o pensamento coletivo de que todos nós podemos ser as próximas vítimas desses marginais que não sabem o que é respeito? Muitos desses intolerantes usam o discurso de que não se pode respeitar bandido, que bandido bom é bandido morto, mas são tão delinquentes quanto. Só que se disfarçam com a capa de bons moços, de defensores da família e dos bons costumes. Pura enganação. Tente contrariar esses falsos moralistas para ver do que eles são capazes. Na primeira oportunidade, sacarão a arma e encherão de balas o desafeto.
Passou da hora de todos botarem a mão na consciência e cobrar das autoridades que, em vez de defenderem a violência, ao liberarem o uso indiscriminado de armas, revertam qualquer política de incentivo aos intolerantes, para os quais a vida alheia não vale nada. Isso passa, inclusive, pela pacificação do discurso político. Quando aqueles que deveriam dar exemplo aguçam o que as pessoas têm de pior, dão margem ao desrespeito, ao racismo, à xenofobia, à misoginia, ao machismo, à homofobia. Quantos mais Leandros, Marcelos, Joãos, Josés contaremos calados? O Brasil ainda tem jeito. Basta querermos.