RAFAEL DE FILIPPIS, SÓLON CUNHA E ROBERTO KAESTNER - Advogados
Presumindo-se que o trabalhador é a parte mais frágil na relação jurídica, o princípio da proteção justifica interpretação mais favorável ao trabalhador quando existente choque entre regras contratuais ou mesmo na interpretação das regras jurídicas. Pouco se discute quanto aos limites dessa análise protetiva e, assim, historicamente a Justiça do Trabalho aplica, indistintamente, o princípio da proteção ao trabalhador em todos os conflitos que lhe são apresentados.
Acontece que nem todos os conflitos são iguais, menos ainda suas partes. Como equiparar as relações jurídicas estabelecidas entre um operário e um executivo com o seu empregador? Parece-nos que não há idêntica necessidade de aplicação do princípio da proteção nesses casos, tratando-se de pessoas absolutamente desiguais.
Por falar em desigualdade, os dados demonstram que o Brasil é extremamente desigual, situando-se ainda entre os países com maior Índice de Gini. O rendimento médio do grupo de 1% mais rico é de R$ 27.085, superior 36 vezes à renda média da metade mais pobre do país (de R$ 747), como demonstra estudo da Oliver Wyman e do Insper. Segundo esse mesmo estudo, a desigualdade de renda pode ser explicada pela desigualdade na educação.
O Brasil, portanto, é um país de dimensões continentais, com particulares diferenças sociais, econômicas e educacionais entre suas regiões. Essas condições justificam a opção do legislador de ter definido, no artigo 444, parágrafo único da CLT, a renda e o grau de instrução como critérios para a caracterização do trabalhador hipersuficiente.
Proteger, igualmente, trabalhadores de diferentes escolaridades e rendas não parece razoável e contraria o princípio constitucional de isonomia. Essa provocação está alinhada ao caso brasileiro, especialmente considerando as novas formas de divisão do trabalho — vide decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a terceirização de serviços e a necessária harmonização dos valores do trabalho e da livre iniciativa.
Além disso, ao julgar uma reclamação proposta em face de decisão que reconheceu o vínculo de emprego de um médico, o STF decidiu pela validade da contratação de profissionais por meio de pessoas jurídicas, constituídas dentro dos parâmetros legais, para a prestação de serviços médicos (Ag. Reg. na Recl. 47.843/BA). O ministro Luís Roberto Barroso manifestou-se no sentido de que não se estaria diante de uma situação que ensejasse a aplicação do princípio da proteção, em razão da qualificação e das peculiaridades dos serviços prestados por médicos, não se tratando de hipossuficientes.
Trata-se de privilegiar a forma lícita e a livre manifestação de vontade de hipersuficientes, como profissionais que se enquadrem no estrato socioeconômico mais elevado da população brasileira e que, por esse motivo, analisaram os termos da contratação, equilibrando as vantagens e desvantagens decorrentes, optando por pactuar, livremente e sem qualquer coerção, àquelas condições.
O respeito à livre manifestação de vontade de hipersuficientes é que possibilita a conexão intrínseca entre os valores do trabalho e da livre iniciativa, na lógica normativa descrita pela Constituição Federal, e permite a aplicação do princípio da proteção no direito do trabalho a quem precisa. Ou seja, deve ser protegido aquele que realmente necessita de proteção e ignorados os apelos convenientes do hipersuficiente "arrependido".
As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal têm demostrado que autonomia da vontade deve prevalecer ao princípio da equidade, quando se trata de indivíduos hipersuficientes e de acordos coletivos. Não podemos admitir que pessoas se beneficiem por anos do enquadramento fiscal, como sócios de pessoas jurídicas, por exemplo, se apresentando nas redes sociais como empresários ou empreendedores, com rendimentos superiores a 90% da população economicamente ativa (empregada), mas que buscam a declaração judicial de subordinação, se desqualificando perante a autoridade judiciária, sob a alegação de que foram enganadas pelo seu pretenso empregador.
As decisões têm afirmado que tais postulantes tinham condição técnica e social de discernimento sobre a escolha de contratação que adotaram, se beneficiaram da licitude facultada pela lei como forma de contratação e não podem agora buscar a nulidade dessa escolha (que os beneficiou) sob o falso argumento de hipossuficiência.
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