opinião

Artigo: A rota do autoritarismo

É uma rota de destruição paulatina das instituições democráticas, substituindo-as por um modelo concomitantemente autocrático e populista

Correio Braziliense
postado em 21/08/2022 06:00
 (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
(crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Por Sacha Calmon — Advogado

Colho de Fernando Abrusio o cerne de suas meditações. Qual é o projeto estratégico e de longo prazo do bolsonarismo? Responder a essa pergunta é decisivo para entender o sentido das próximas eleições. O caminho almejado por Bolsonaro é muito similar ao traçado na Venezuela chavista.

É uma rota de destruição paulatina das instituições democráticas, substituindo-as por um modelo concomitantemente autocrático e populista, que reduz o controle independente sobre os governantes e mobiliza constantemente setores populares, inclusive por meio da violência, em apoio ao líder máximo.

"Não é possível saber se essa ideia vai vingar no Brasil, mas o atual presidente tentará, com todas as suas forças, alcançar esse objetivo. Trata-se de uma grande ironia da história. Nas eleições de 2018, o bolsonarismo não cansou de dizer que o PT queria que o Brasil se transformasse na Venezuela.

Aproveitava-se do fato de que os governos petistas tinham se imiscuído na política interna venezuelana, o que foi um erro enorme de política externa. Mas, observando mais atentamente a trajetória de Bolsonaro, desde aquela época, já se percebia que ele tinha mais similaridades com Chávez do que qualquer outra liderança política."

Ambos têm origem militar e, praticamente, foram expulsos da instituição por seu personalismo golpista. Ideologicamente, seguem um populismo autoritário no qual não há espaço para partidos nem para uma sociedade civil independente. Quando chegou ao governo, Bolsonaro aumentou ainda mais as similaridades em sua luta contra a Justiça e a imprensa, na campanha pelo armamento de seus aliados na sociedade e na política externa isolacionista. Os dois optaram não pelo golpe clássico de Estado, mas, sim, por usar a democracia para jogar o povo contra as instituições — Chávez por meio de plebiscitos, e Bolsonaro usando as redes sociais para insuflar uma revolta contra o sistema.

Há dissonâncias entre essas figuras políticas, principalmente por conta da diferença de contextos. Bolsonaro tem uma ditadura militar prévia como base de suas ideias, ao passo que o chavismo criou o seu próprio modelo autocrático, num país que tinha ficado imune da onda de regimes autoritários que assolaram a região.

Outras diferenças entre Brasil e Venezuela poderiam ser citadas, porém, o fato marcante é que ambas escolheram uma estratégia política similar de construir uma autocracia pela destruição e, ressalte-se, desmoralização paulatina do jogo democrático.

Embora admire muito Viktor Orban, governante da Hungria, além de reverenciar Trump e Putin, o caminho bolsonarista é muito mais parecido com o do chavismo, por causa de peculiaridades sul-americanas e pelo perfil militar de seu líder. Assim, é possível listar passos estratégicos desse modelo político.

O primeiro é o de construir o poder político com base numa lógica da violência. Há dois pilares, o oficial e o informal, de modo a criar uma unidade (artificial) entre o Estado e o povo. No primeiro pilar está a conquista do apoio das Forças Armadas, tornando-as cúmplices do projeto, mas não comandantes dele, diferentemente do que ocorrera no Brasil no regime fundado em 1964.

Para conseguir isso, usa as benesses dos cargos e recursos públicos e isso explica a escolha do candidato a vice na chapa bolsonarista e a criação ou reforço de um inimigo comum — no caso brasileiro, os "comunistas", imaginariamente identificados como o PT.

Bolsonaro e Chávez buscaram cooptar os militares para dizer que as armas são o árbitro final do conflito político, e não juízes ou qualquer ator civil. A lógica da violência também está presente na campanha pelo armamento da população civil (formação de milícias armadas e sectárias).

Desde o início do mandato há uma guerra aberta entre Bolsonaro e a imprensa. Apostou-se nas redes sociais, mas houve também um cooptação, maior ou menor, de parte dos órgãos de comunicação. De todo modo, uma parcela importante da mídia não se curvou, e talvez a saída seja, pela ótica bolsonarista, formas mais severas de intervenção, que sempre aparecem como ameaças em discursos do próprio presidente da República.

Além disso, há várias outras organizações sociais, a maior barreira ao projeto autoritário populista, algumas inclusive com forte conexão internacional. Qualquer ação mais violenta nesse campo poderá resultar em um enorme isolamento do país, com impactos econômicos e sociais.

A revisão constitucional já aparece nas discussões dos grupos bolsonaristas do Telegram e de forma sub-reptícia nos próprios discursos do presidente. O grande inimigo institucional do atual governo é o pacto socialdemocrata representado pela Constituição de 1988, que busca evitar a concentração de poderes.

O cenário externo é preocupação da via populista autoritária, pois com certeza há pressões contra um golpe institucional no Brasil vindas da Europa e especialmente dos Estados Unidos, porque seria uma enorme derrota para a política externa americana ter uma segunda Venezuela no continente. Antecipando-se a isso, Bolsonaro escolheu seu protetor: a Rússia de Putin. Já se ensaiam, inclusive, alguns discursos de cunho antiamericano.

 


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