CARLOS BIELSSHOWKY - Professor da UFRJ e pesquisador do Centro SoU_Ciência, tendo sido entre 2007 e 2010 secretário de EaD do MEC
DEBORA FOGUEL - Professora titular do Instituto de Bioquimica Médica da UFRJ e membro do Centro SoU_Ciência
Em uma live recente em que apresentamos um panorama do ensino privado no Brasil, a professora Soraya Smaili, coordenadora do Centro SoU_Ciência, sintetizou, de forma muito simples, o que está acontecendo com a educação a distância (EaD) no país ao afirmar, sobre a EaD de baixa qualidade, que "isto não é EaD!".
Educação a distância de verdade é um sistema educacional que oferece aos alunos um material didático, utilizando diferentes mídias, que percorre os conteúdos de uma disciplina com a mesma densidade do ensino presencial, oferecendo habilidades e competências para que os formandos possam exercer com dignidade e competência suas profissões e sua cidadania. A EaD necessita de uma docência ativa, embora diferente da utilizada no ensino presencial, e de um sistema de avaliação que garanta que o aluno adquiriu, em cada disciplina, conhecimento equivalente ao que teria em sala de aula.
Esse é o caso da oferta de EaD das universidades públicas do Rio de Janeiro (Uenf, UFF, Unirio, UERJ, UFRJ, UFRRJ e Cefet) reunidas no consórcio Cederj, em que os alunos frequentam o espaço virtual, por meio de plataforma específica, desenhada e construída para esse fim, com 42 polos regionais, distribuídos em todo o estado. São oferecidas 18 carreiras, como pedagogia, licenciaturas diversas, administração e engenharia de produção, entre outros. Esses polos oferecem laboratórios didáticos para realização de aulas práticas, biblioteca e acesso a computadores e internet, bem como propicia os encontros presencias com tutores treinados e capacitados para esclarecer dúvidas, sendo, também, o local onde os alunos realizam as provas presenciais.
Por causa disso, entre os alunos concluintes da EaD nas IES reunidas no Consórcio Cederj que realizaram o Enade do último ciclo de provas (2017-2019), nenhum aluno (zero!) estava em cursos com conceito Enade insuficiente 1 ou 2, sendo que, apenas cerca de um terço deles está em cursos com Enade 3. Logo, a grande maioria dos alunos (cerca de dois terços) estudou em cursos com Enade 4 ou 5, o que pode ser considerado um excelente resultado, visto que esses cursos têm desempenho equivalente àqueles dos cursos presenciais das mesmas prestigiosas universidades.
Frente a esses dados alentadores, cabe-nos perguntar: como se saem os alunos das instituições de ensino privado dos 10 maiores grupos educacionais do país nesses exames nacionais? Segundo o censo da Educação Superior do Inep de 2020, esses grupos concentravam 80% de todos os alunos matriculados na EaD do país. Mas, infelizmente, esses alunos seguem uma trajetória inversa: apenas 3% dos alunos de EaD desses grupos, que realizaram o Enade do ciclo 2017-2019, estavam em cursos com conceito 4 ou 5, sendo que 60,2% dos concluintes estavam em cursos com Enade insuficiente com conceito 1 ou 2. A comparação é dramática. Ou seja, enquanto nas IES públicas do Rio de Janeiro não havia alunos em cursos com Enade 1 ou 2, a grande maioria dos alunos destes grupos privados que dominam a EaD no país estava em cursos com Enade insuficiente.
Temos inúmeras ofertas de EaD no Brasil com qualidade acadêmica, tanto nas universidades públicas quanto no setor privado, com destaque para a oferta das universidades confessionais. A oferta de EaD pra valer é uma regra no mundo todo e não uma exceção, como infelizmente se configura, cada vez mais, em nosso país, onde em 2020 mais de 80% dos alunos de EaD estavam matriculados em apenas 10 IES, com fortes indícios de baixa qualidade na oferta. O problema, assim, não é com a EaD, mas com isso que alguns grandes grupos privados estão realizando com o nome de EaD.
Tivemos um problema semelhante com a oferta das IES privadas entre 2003 e 2007, que levou o Ministério da Educação — na época em que existia um MEC voltado aos interesses do país — a realizar um intenso processo de supervisão que realinhou essa oferta, tendo celebrado com as Instituições privadas vários Termos de Ajuste de Conduta (TAC), visando sanear deficiências, culminando com o descredenciamento para EaD de algumas instituições e a requalificação de outras. Nesse processo, observamos quatro aspectos principais deste descalabro: material didático superficial, que, por vezes, nem alcançava adequadamente os conteúdos de ensino médio; falta de apoio ao estudante; provas com conteúdo extremamente aligeirados, bem como donos de polos regionais, que intermediavam a oferta, agindo como franquias sem controle por parte destas IES.
Lamentavelmente, esse quadro de descalabro voltou forte, fazendo a festa dos grandes grupos educacionais privados, com ações na bolsa de valores, a maioria regida pelo lucro imediato. Soraya tem razão. Isso não é EaD. Em alguns casos, mais parecem fraudes consentidas pelo atual governo, muito parecido com o descalabro que vem sendo praticado por este desgoverno no apoio à devastação ambiental da Amazônia e na venda facilitada de armas, apenas citando dois exemplos.
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