Uma criança de oito anos encontra uma arma no banco do carro que a levaria para casa, após sair da escola, aperta o gatilho e mata o seu cunhado que estava ao volante, com uma bala na cabeça. O "acidente" foi testemunhado pelo filho de cinco anos do motorista.
Um policial militar se desentende com um atleta em uma festa, saca o revólver e mata o rapaz, um premiado Jiu jitsu, com um tiro também na cabeça. As duas tragédias ocorreram em São Paulo e repercutiram em todos os meios de comunicação.
Duas famílias foram destroçadas com as perdas de entes queridos por armas de fogo. As cenas são recorrentes todos os dias. A tendência é de que os números de vítimas sejam avassaladores, quando contabilizados pelas instituições que fazem o acompanhamento da violência no país.
Os episódios não são meros acidentes. Resultam do estímulo à compra de armas, como instrumentos de proteção individual e da família. Antes de ser um artefato libertador, como defende o Palácio do Planalto, a arma é um objeto letal, construído para abater pessoas e animais, por uma indústria que fatura com guerra, enfim, com a morte.
Durante a corrida ao Palácio do Planalto, em 2018, o então candidato Jair Bolsonaro anunciou que, se chegasse à Presidência da República, desmontaria o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003). Para ele, a lei criava muitos obstáculos aos que desejavam ter armas de fogo. Nestes quase quatro de anos de governo, ele assinou mais de 30 medidas, que facilitaram os registros de interessados como colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs), possibilitando-lhes adquirir armas dos mais diversos calibres e munição. Um caçador pode comprar até 30 armas, e um atirador, seis artefatos.
Em 2020, foram emitidos 626.678 CACs. No ano passado, foram 1.085.888 CACs, um aumento de 73% (459.210). O controle de armas e munições também foi flexibilizado. O rigor vigente até 2018 foi esgarçado. Hoje, o Exército reconhece que não há possibilidade de elaborar um relatório detalhado sobre os tipos de armas em mãos de civis. Houve, na prática,um apagão no sistema de Gerenciamento Militar de Armas. Pelo menos, 1,5 milhão de armas circulam no país.
Há de se questionar a segurança individual ou coletiva que este arsenal garante aos cidadãos brasileiros. A queda de 6,5% nos casos de mortes violentas intencionais não dizem muito, num cenário tomado pela pandemia de covid-19, como nos últimos dois anos. O que se constata agora é que diante de qualquer contrariedade, o cidadão saca sua arma e atira contra quem o aborreceu.
Apesar de o poder público não reconhecer, falta uma política de segurança pública que proteja a vida dos cidadãos. Essa tarefa do Estado está embutida nos elevados impostos recolhidos aos cofres estaduais e da União. O cidadão armado está tão seguro quanto aquele despedido da índole belicista. As armas não garantem a preservação da vida, mas o encorajamento para a matança. Não só isso: a flexibilização só beneficia as organizações criminosas que atuam no Brasil, sem que haja uma contenção efetiva das práticas nefastas à sociedade.
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