Editorial

Visão do Correio: Preconceitos portugueses

Correio Braziliense
postado em 07/08/2022 06:00
 (crédito: Reprodução / Redes Sociais)
(crédito: Reprodução / Redes Sociais)

Os brasileiros são o maior grupo de estrangeiros morando em Portugal. Oficialmente, somam quase 250 mil, um terço de todos aqueles que deixaram os países de origem para desfrutarem da qualidade de vida que a nação europeia oferece. São, realmente, muitos os benefícios, a começar pela segurança. Portugal é apontado como o sexto país mais seguro do mundo. Há, no entanto, sérios problemas a serem enfrentados por quem optou por abraçar a pátria portuguesa como residência oficial, dois deles, assustadores: racismo e xenofobia.

São cada vez mais frequentes os ataques de portugueses aos que vêm de fora, vistos como invasores que vão roubar os trabalhos dos cidadãos naturais, como pregam representantes de partidos de extrema direita. Tais manifestações, por sinal, têm obrigado o presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, a fazer discursos contundentes contra aqueles que insistem em atacar e discriminar pessoas por causa da cor de pele ou de suas origens. Em todas as oportunidades, ele reconhece que o racismo e a xenofobia estão entranhados em parcela da sociedade lusitana, mas que a maioria dos cidadãos do país não compartilha dessa visão retrógrada e inaceitável.

O presidente português sabe da importância dos estrangeiros para a economia de seu país. A população local está diminuindo ano após ano, somando, atualmente, pouco mais de 10 milhões. Não há mão de obra disponível para vários setores, mesmo os mais básicos, como a construção civil. Os jovens portugueses que se formam preferem tentar a vida em outros países da União Europeia, pois têm a oportunidade de obterem salários melhores. Portanto, Portugal enfrenta o que os estudiosos classificam como suicídio demográfico. A única forma de reverter esse quadro dramático é atraindo trabalhadores estrangeiros.

Mas, ao mesmo tempo em que flexibiliza as leis de imigração — na última quinta-feira, o presidente português sancionou o decreto que facilita a concessão de vistos de trabalho —, Portugal precisa enfrentar o racismo e a xenofobia estruturais. Eles estão presentes na educação, na saúde, na segurança, no sistema de imigração, entre os mais pobres e na elite. Há muitos portugueses que pensam exatamente como a mulher que atacou os filhos dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank. Na visão da criminosa, "negros são imundos" e "todos os estrangeiros devem retornar para seus países".

Nos colégios e nas universidades, por exemplo, há professores que não aceitam o português do Brasil, a ponto de tirarem notas dos estudantes e discriminá-los abertamente. Mesmo com o sistema de saúde de Portugal estando à beira do caos por falta de profissionais, as corporações se recusam a validar diplomas de médicos e enfermeiros titulados do outro lado do Atlântico. Há registros constantes de violência de policiais contra imigrantes. Mesmo filhos de estrangeiros nascidos no país não são reconhecidos como portugueses, sobretudo, se forem negros. Não se pode falar em nação inclusiva quando são comuns tais comportamentos e quando o principal órgão de estatísticas do país não prevê nos censos populacionais dados sobre raça e etnia, o que inviabiliza a execução de políticas públicas aos mais vulneráveis.

Que, então, os portugueses reflitam sobre esses problemas e os enfrentem de forma contundente, abandonado de vez a postura colonialista. A presença de estrangeiros no país, seja trabalhando, seja investindo para gerar empregos e renda, é irreversível. E os brasileiros vão ocupar cada vez mais espaço em território luso. Saber conviver com as diferenças é regra básica em qualquer sociedade civilizada. Vale para Portugal, vale para o Brasil, que, registre-se, também tem dado péssimo exemplo quando se trata de respeito à dignidade humana.

 

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