Análise

Artigo: Créditos tributários e juízos universais

Correio Braziliense
postado em 07/08/2022 06:00
 (crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)
(crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)

SACHA CALMON - Advogado

"Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente do trabalho. Parágrafo único. Na falência: I - o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; II - a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho; e III - a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados" (Redação dada pela Lei Complementar nº 118/2005).

O pignus, sob a modalidade de penhor industrial ou rural, diferentemente da venda com reserva de domínio e da alienação fiduciária em garantia, constitui direito real de garantia sobre bens móveis, tanto quanto a hipoteca (que recai em imóveis) e a anticrese (incidente sobre rendas). Assim sendo, cede ante o crédito tributário, que somente se dobra perante os créditos trabalhistas (inclusive de acidentes do trabalho) e outros de cunho alimentar, embora não decorrentes da relação de emprego. A hipótese não é cerebrina. O titular, v.g., de firma individual há de alimentar seus dependentes antes da Fazenda Pública, porque os seres humanos e suas necessidades são superiores aos interesses do Fisco. O mesmo princípio que garante o bem de família e os instrumentos de trabalho funciona aqui.

Interessante novidade veio com a Lei Complementar nº 118/2005 que, adaptando o CTN à Nova Lei de Falências, introduziu o parágrafo único no art. 186, determinando mais algumas prioridades à frente do crédito tributário no processo falimentar, especialmente os créditos bancários. A justificativa aqui era a redução dos juros de mercado (spread) com a proporcional redução do risco de inadimplência, em que pese a maioria dos empréstimos bancários contarem com garantias reais.

Outro assunto de suma importância diz respeito ao concurso de credores na falência. A comunhão de credores em face do devedor, quando este é solvente e possui bens suficientes para satisfazer a todos, não implica concurso. Contudo, quando o devedor é insolvente ou não tem condições de solver a tempo e hora os seus débitos, ocorre o concurso. Os credores se juntam e repartem as sobras o mais igualmente possível. Para tanto, é preciso reuni-los em torno de um juízo, por isso mesmo concentrador. No entanto, conforme preceitua o art. 187 do CTN, a Fazenda Pública não resta sujeita ao concurso de credores.

Noutras palavras, as Fazendas Públicas executam diretamente os seus créditos no juízo especializado, mediante ação de execução fiscal. Elas executam, soberanamente, os bens do devedor insolvente e do espólio, porque os seus créditos, tirantes os trabalhistas e os alimentares, possuem privilégios que se sobrepõem aos de toda a comunidade dos credores (créditos com garantia real, hipotecários, v.g.).

Em curso as execuções fiscais, sobrevindo quaisquer desses concursos, a Fazenda neles não tem que se habilitar. Pode, prioritariamente, reservar bens suficientes à satisfação dos seus créditos e dos acrescidos. As multas, apesar de exigíveis, são incluídas após os créditos quirografários, segundo a jurisprudência dominante (A Lei de Falências, nº 11.101/2005, em seu art. 83, VII, bem como a nova redação dada ao art. 186, III, do CTN, classificam as multas tributárias após os créditos quirografários).

Em curso as execuções fiscais, sobrevindo quaisquer desses concursos, a Fazenda neles não tem que se habilitar. Pode, prioritariamente, reservar bens suficientes à satisfação dos seus créditos e dos acrescidos.

O parágrafo único do artigo, ao nosso sentir, é de duvidosa constitucionalidade, em que pese a posição do STF considerando-o compatível com a República e a Federação. As pessoas políticas são iguais dentro do pacto federativo. Justo ao contrário, a jurisprudência aprofundou a desigualdade ao colocar, depois da União, mas antes dos estados, a administração descentralizada da União (autarquias federais e fundações) e, ao lado dos estados, mas antes dos municípios, as instrumentalidades do Estado-Membro. Segue religiosamente o CTN, contra a Constituição…

É certo que o código tributário nacional (CTN) é uma lei complementar da constituição federal, como tal ungida pelo Supremo e pelo Superior Tribunal de Justiça, cuja missão é unificar o direito infraconstitucional brasileiro. Contudo, não pode o CTN, nascido como lei ordinária federal, ir contra o espírito da Constituição. A preferência concedida à União dos Estados-membros e dos municípios labora contra ela. É nosso dever dizer não, um sonoro não, à superposição de taxas do mesmo teor impulsionados a um só tempo, pela União Estados-membros e municípios (pluritributação sobre um só fato gerador)!

 

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