O personagem Zé da Galera, criação do tricolor carioca Jô Soares e do americano Max Nunes, na Copa da Espanha, em 1982, não surgiu por obra do acaso. Foi a grande sacada do humorista. Jô não se contentava em assistir futebol. Eram 90 minutos de imersão no esporte. Tinha sensibilidade não somente para humanizar o jogador, mas sondar o íntimo de personagens como o atacante, e depois técnico, Telê Santana.
Quando eu soube da morte do Jô, fui a um dos meus baús de memórias prediletos: a coleção de revistas Placar. Tinha lembrança dele como entrevistado em uma das edições. Encontrei o alfarrábio de julho de 1986. Tempo em que um exemplar custava Cz$ 17,00, anuncia a capa. A Copa rolava no México e Jô teve um riquíssimo bate-papo com a repórter Betise Assumpção publicada na véspera da eliminação do Brasil nos pênaltis contra a França, em Guadalajara.
Na entrevista, Jô responde por que Telê não gostava de ponta — a maior polêmica da campanha canarinho no Mundial de 1982. Questionado se o técnico da Seleção Brasileira tinha raiva de ponta, ele elaborou uma tese com o conhecimento de quem acompanhava e acumulava memórias da bola.
"Acho que sim, e creio que sei a razão. Num jogo entre Fluminense e Botafogo — olha que eu sou Flu, hem? — Garrincha deu um banho nele. Deixou-o caído de quatro no chão duas vezes. Saiu uma foto na Veja que é engraçada à beça. Telê está sentado no chão, com um ar desconsolado, olhando torto, e Garrincha indo embora com a bola. Acho que o trauma de Telê começou nesse dia (risos). E olha que ele foi ponta, mas um falso ponta. Foi um bom jogador, inteligente", lembrou Jô.
Ele se referia a uma entortada de Garrincha em Telê em 16 de dezembro de 1957, na decisão do Carioca. O Botafogo goleou o Fluminense por 6 x 2. Exausto, Telê teria pedido aos jogadores alvinegros para tirarem o pé, pois o título estadual estava garantido. Mané nem deu bola e continuou se divertindo.
O fato é que Zé da Galera perturbou o juízo do técnico da Seleção a Copa inteira com o bordão: "Bota ponta, Telê!". Foi assim até a Tragédia do Sarriá. A derrota por 3 x 2 para a Itália adiou, à época, o sonho do tetra. A cobrança continuou em 1986. "O Brasil tem que ter ponta. mas Telê mistura estações. Os outros países jogam com pontas falsos porque não têm especialistas como nós. O ponta especialista pode, de acordo com as conveniências das partidas, recuar para jogar pelo meio. Garrincha cansou de fazer isso e não houve ponta melhor do que ele."
Apaixonado por pontas, Jô assistirá, onde estiver, com espírito de Zé da Galera, Tite resgatá-los na Copa. Há tempos não tínhamos tantos. Neymar, Vinicius Junior, Raphinha, Antony, Gabriel Martinelli. "Zé da Galera e eu somos meio iguais. Também fico maluco. grito, xingo o técnico", assumiu Jô à Placar, em 1986. A Seleção estreia na Copa daqui a 110 dias. Seremos todos Zé da Galera aqui ou lá no Catar. Viva o Jô!
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